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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Escolho, logo existo

Um tempo atrás eu li esta matéria aqui e fiquei muito impressionado com a argumentação. Na época eu me me envolvia em debates amadores, ao estilo “conversa de boteco”, sobre os mais diferentes assuntos e um deles era a origem da consciência. Com minhas rasas pesquisas no Google eu havia descoberto algumas opiniões bem sedutoras a respeito do desconhecimento científico sobre a origem biológica da consciência, ou especificamente, da autoconsciência. Li algumas matérias e assisti entrevistas com neurocientistas que afirmavam que somente podemos identificar os efeitos da consciência no cérebro, mas não conseguimos localizar sua origem ou mesmo se ela ocorre de fato no cérebro. Aquilo levou a horas e horas de divertidos diálogos na internet sem nunca chegarmos a ultrapassar a superfície do assunto. Somado a isso, descobri na supracitada matéria da Veja que existem argumentos de que nada na nossa vida é realmente uma decisão pessoal, mas tão somente um efeito eletroquímico no cérebro. Seríamos, nas palavras do especialista citado na matéria, “computadores de carne” que apenas reproduzem ações motivadas fisiologicamente. Não existiria um ghost in the shell, uma alma, um “eu metafísico”. Mas puramente interações orgânicas, responsáveis não apenas pelo que pensamos mas também pelo que decidimos, lembramos e sentimos.

Ainda me falta o mérito de investigar esta questão a fundo, saber como anda o debate entre os defensores da consciência abstrata imaterial e os céticos defensores da consciência material de origem biológica. Não tenho como argumentar sobre isso nesse momento. Mas ainda posso refletir sobre um aspecto que se fez muito presente nessa última semana e tem um pouco a ver com essa conversa. Em uma observação empírica, notei que em diversos momentos a vida em si faz suas próprias opções. Coisas acontecem devido a uma sequência de fatos encadeados que estão 100% fora do controle de quem quer que seja. E esse acaso independe de ser a consciência de origem biológica ou metafísica. Seja lá a mecânica que for que leve cada um de nós a decidir pôr açúcar ou não no café, ter lembranças doces ou traumas da infância, pedir demissão ou não do emprego que não gosta mas precisa, não importa, todos estamos inseridos em uma rede de acontecimentos e decisões de outras pessoas que nada têm em comum com as nossas tendências pessoais a não ser nossa presença no meio da bagunça. Seja por acaso ou por destino, outra discussão longa e profunda, você está lendo isso e julgando o que lê de maneira totalmente individual. Durante uma semana podemos ser prejudicados ou ajudados por decisões de outras pessoas, que podem ter sido tomadas levando-nos em consideração ou não. O motorista do aplicativo que você chamou para não se atrasar pode se perder e demorar mais que o necessário para chegar, o contador pode esquecer de dar o prazo final para o cumprimento da burocracia e seu trabalho ser ameaçado, porém salvo pelas conexões de um amigo poderoso e solícito. Alguém que você ama mas não vê com frequência pode mandar uma mensagem do nada, talvez você esqueça de fazer um depósito em tempo hábil para ajudar alguém, talvez o seu pedido de hambúrguer com molho extra seja cancelado pela lancheria e você tenha que escolher outra coisa para comer. Nada disso teria sido decisão sua, seriam resultados externos da interação com outras pessoas e com o mundo que aconteceram fora da sua consciência. Num imenso jogo de acontecimentos que levam você por aqui ou por ali até chegar nesse exato instante. E esse jogo, que corresponde à totalidade da vida do lado de fora da sua cabeça por vezes toma rumos que resultam da sua interação direta, é possível planejar e trabalhar por algo, mas é bem verdade que tudo que acontece depender, e muito, de diversos fatores externos. Quando dizemos “espero que dê tudo certo” é precisamente a isso que estamos nos referindo. Estamos desejando que os acontecimentos fora do nosso controle ocorram de forma a favorecer nossa vontade.

Reconhecer essa fragilidade diante dos acontecimentos da vida é um passo importante para o amadurecimento. Saber que um dia a vida chegará ao fim e que a história que escrevemos com nossas ações muitas vezes terá sido resultado de forças externas à nossa vontade. Entretanto, isso não significa que somos apenas uma folha voando no vento, não quer dizer que nada do que nos acontece é nossa responsabilidade. Aliás, muito pelo contrário. Nossa atitude diante das escolhas é o ponteiro da bússola que nos guia. Se, por um lado, não se pode prever tempestades e acidentes, por outro, é preciso controlar a direção do barco o tempo todo, navegar à deriva é muito pouco recomendável. E essa navegação, a determinação da direção em que o barco vai, é feita através do conjunto das nossas escolhas. Como já referi, é tudo um grande jogo. Quando optamos por ir por um caminho ao invés de outro, estamos dizendo para a vida quais são as nossas preferências, estamos mostrando aos outros agentes do jogo o que queremos, desenhando um cenário futuro onde novas escolhas serão exigidas. Muitas vezes com coisas novas a serem levadas em consideração e influenciados pela interferência de terceiros, mas sempre cabendo a nós determinar o passo a seguir. Da mesma forma que outras pessoas participam das cadeias de eventos na nossa vida, nós também participamos das cadeias de eventos das vidas dos outros. O que fazemos ecoa, gera ondas como uma pedra lançada num lago. De uma forma genérica, tudo que decidimos é importante, causa efeitos, se desdobra em efeitos nas vidas de outras pessoas. E ao longo do tempo, as similaridades das nossas escolhas formam padrões característicos pessoais. As decisões se acumulam ao redor apontando em uma direção e desenhando um cenário de predisposições. O que optamos em micro constrói a realidade em macro, mesmo sendo duramente influenciada por ações alheias à nossa vontade.

Seja qual for a razão de escolher, se biológica ou espiritual, seja qual for o motivo dos acontecimentos externos se configurarem de uma certa maneira, ainda assim escolher é importante. Ainda assim é através das nossas escolhas que a vida se molda. Por isso é preciso sempre ter cuidado com o que se deseja, como o que se escolhe, com o que se fala e faz. Tudo está interligado em uma rede de conexões invisível e é impossível adivinhar o que vem a seguir. Porém é possível, e recomendável, fornecer conscientemente a matéria prima da realidade em geral. Criar propositalmente um cenário positivo, favorável e pacífico através do conjunto de decisões. Informar ao mundo externo sobre nossas preferências através da atitude, dos atos tomados. Pois sempre será nossa responsabilidade usar o tempo que temos como acharmos melhor. Não importa se é seu cérebro ou sua alma quem dita as regras, e não importa o que aconteça fora do seu controle, escolher o que fará a seguir é sua responsabilidade. Assim como será sua responsabilidade o efeito das suas escolhas tanto na sua vida quanto no mundo externo.

Muita gente já gastou tempo pensando sobre isso, existem longos trabalhos a respeito de códigos de conduta ideais para uma vida feliz e satisfatória. Não cabe a mim julgar nenhum deles. Mas aconselho intensamente que você, que leu até aqui, esteja consciente da importância das suas escolhas e encontre seu próprio caminho. Estabeleça conscientemente um código pessoal que norteie sua vida e leve para um bom destino. Aprender a lidar com o inesperado e reconhecer minha responsabilidade no que me acontece tem sido uma importante ferramenta para encarar esses dias cheios de incertezas. E penso que isso talvez seja parte do aprendizado que constitui a vida.



Recomendações: Leia qualquer coisa bacana que explique sobre a teoria da evolução de Charles Darwin; Ouça a música “This Is Your Life”, da banda Dust Brothers; Veja-se criança em algumas fotos antigas.


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Tardígrado

Os tardígrados são animais microscópicos presentes em quase qualquer lugar do planeta. Também chamados de “ursos d’água”, podem ser encontrados em praticamente qualquer lugar que tenha água. Seu nome significa “o que se move devagar” e são as criaturas mais resistentes que se conhece. Suportam bem temperaturas acima dos cem graus Celsius e inferiores a duzentos graus negativos, sem maiores problemas. Sobrevivem no vácuo do espaço ou na fossa mais profunda do oceano, não dando a mínima para a pressão atmosférica. Podem ser expostos à níveis altíssimos de radiação e quando são retirados da água, seu habitat natural, entram em um estado de hibernação que os mantém vivos por décadas. Dentre os limites impostos à vida no planeta Terra, essa criaturinha é capaz de superar sem esforço condições que seriam letais para qualquer outro habitante. Descobri a existência deles quando assisti a série “Cosmos: Uma Odisséia do Espaço-Tempo” (2014), apresentada pelo físico Neil deGrasse Tyson, que disse que se uma civilização alienígena visitasse a Terra poderia pensar que essa era a espécie que dominava o planeta, devido a sua presença nas diferentes eras ao longo do tempo, suportando todas as condições e adversidades que levaram a extinção de outras espécies.

Gosto de usar animais para fazer analogias com pessoas. O ser humano, tão orgulhoso de sua autoconsciência, pode perfeitamente ser explicado usando-se exemplos de outros animais. Somos nada além de um bando de macacos ingovernáveis girando no espaço em uma rocha molhada. E meditando sobre as incríveis habilidades destes animaizinhos, acrescentando uma boa pitada de senso de humor, acabei adotando-o como um símbolo pessoal. Dali em diante eu seria como um tardígrado. Um ser capaz de suportar qualquer condição, qualquer perigo, qualquer situação, sem sucumbir. Venha o que vier, aconteça o que acontecer, eu sobreviverei. Serei tão resistente quanto o tardígrado e nada nesse mundo será eficiente em me destruir. 

Viver é complexo e não preciso. A vida é torta, desalinhada. Com uma harmonia incompreensível para nossas frágeis mentes primatas. As coisas que se encaixam convivem com os absurdos que não fazem sentido. O que desejamos nos oprime, o que precisamos muitas vezes é insuficiente. Por isso é preciso ser capaz de lidar com o inusitado, de improvisar. De se fortalecer cada vez que a fraqueza nos derruba. Por isso eu crio rituais e símbolos, dou significados pessoais para as coisas. Construo minha própria mística. É meu jeito de lidar com o que não posso explicar e de ilustrar o que tenho dificuldade de traduzir em palavras. É um bom exercício para quem tem uma mente inquieta que o tempo todo busca significado em tudo que acontece.

Depois de superar um monte de coisas e de aprender a conviver com outras tantas, de levar a vida em frente apesar das dores imensas na alma, hoje faço a escolha de continuar andando apesar da escuridão que me cerca. Sinto que minha vida é isso, andar sobre uma ponte reta estreita esticada sobre um abismo na mais completa escuridão. Cada passo é uma escolha, uma decisão na qual espero não pisar em falso, não tropeçar e não errar a direção, já que não vejo o que vem à frente. O medo é constante, a agonia de não saber se o próximo passo me derrubará é presente o tempo todo. Assim como a angústia de não ver para onde estou indo. Só sigo lentamente me movendo com cuidado, tentando acertar como posso e confiando ser merecedor da proteção Divina.

Minha vida atualmente é bastante normal. Nos padrões de conveniência social eu tenho um bom emprego, ocupo meu tempo com trabalho, estudos e lazer em boa medida. Levo uma vida que julgo ser digna e mais confortável do que a maioria das pessoas do meu país. Sem luxos, mas não faltando nada. Trato dos problemas psicológicos que me afligem com ajuda profissional, faço uso de medicação adequada para estabilizar minha mente. Tenho gente boa com quem contar, tanto família quanto amigos. Tenho planos, sonhos e crenças que me ajudam a lidar com o presente ao imaginar um futuro melhor. Mas nem sempre foi assim.

Já estive em trevas, preso no lodo fedido de um poço escuro. Já estive doente e sem perspectiva. Já fiz escolhas que me levaram a estar sozinho em situações perigosas. Já tomei decisões que me trouxeram tristeza e arrependimento. Já me senti injustiçado e miserável, sem nem o mínimo e dando o máximo. Já caí da ponte, para dentro do abismo. Já fiquei parado, sem andar, com medo do que aconteceria se desse outro passo errado. Suportei a dor e a vergonha me dando desejos de morte. Encarei aspectos de mim mesmo que gostaria que não existissem, alguns dos quais consegui derrotar e aprisionar no porão. Suportei variações letais de temperatura, de pressão, de hostilidade. Colhi frutos de burrice, de preconceito, de estupidez. Já estive mal, bem mal. Fui levado aos limites da tolerância mais de uma vez. Inclusive, sendo salvo milagrosamente em muito mais vezes do que creio ser merecedor. E aqui estou.

Posso usar vários adjetivos para me descrever, alguns positivos, outros negativos. Mas, sem dúvida, se pudesse me definir em uma palavra hoje em dia, essa palavra seria “resistente”. Eu sobrevivo. Eu resisto. Tal qual o tardígrado, eu também sou capaz de suportar condições que outras criaturas não suportariam. Levando em conta que cada um sente as coisas de um jeito, que a experiência de cada um é diferente mesmo em situações análogas, eu me sinto hoje como um sobrevivente. Coberto de cicatrizes que formam uma carapaça dura. Capaz de suportar o insuportável. De sair vivo seja de onde for.



Recomendações: Assista em algum lugar da internet a esquete “Joseph Climber” do grupo teatral Companhia de Comédia Os Melhores do Mundo; Ouça a música “I Stand Alone“ da banda Godsmack; Experimente pôr mel no seu café.


segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A inesquecível Profe

Eu estava no quarto semestre do curso de Direito quando me inscrevi para fazer a disciplina de Direito Penal 3. Depois de algumas experiências negativas com professores pouco profissionais e sem didática eu simplesmente não esperava nada do semestre que iniciava. Cheguei na sala de aula um pouco mais cedo, como de costume, e escolhi um dos lugares mais à frente entre os assentos. Logo reconheci alguns rostos de colegas que estavam no mesmo barco que eu e formamos um pequeno grupo, sentando lado a lado em frente à mesa da professora, que chegou uns quinze minutos antes do horário de início oficial e cumprimentou a todos com um simpático sorriso. Uma mulher verdadeiramente bonita, vestida com elegância e usando um tom firme, porém hospitaleiro, em sua voz que se harmonizava perfeitamente com o seu olhar. Uma pessoa digna e respeitável, foi a impressão que tive ao vê-la pela primeira vez. 

De forma protocolar, iniciou a aula se apresentando e falando sobre seu currículo impecável. De fato, há professores com o dobro da idade que não podem ostentar títulos e experiência naquele nível. Explicando como seria o semestre, demonstrou seriedade e compromisso. Deixou claro que não fazia concessões, que não haveria tolerância com atrasos na entrega de trabalhos e que as provas testariam com contundência o conteúdo ensinado. Mas também tranquilizou, afirmando que o esforço pelo aprendizado seria recompensado. Não era adepta da tortura psicológica com os alunos e nem recorreria à “pegadinhas” que prejudicassem as notas ou o desempenho. Seria cobrado dedicação e resultado, mas sem brincar com a vida das pessoas que estavam ali investindo tempo e dinheiro por um futuro melhor, como fazem alguns professores imaturos.

E assim foi. O semestre fluiu intenso, com aulas profundas a respeito do funcionamento do sistema penal brasileiro, concurso de crimes, regressão, detração, livramento, extinção de punibilidade. Exemplos de sentenças, acórdãos, súmulas. E, é claro, o temível cálculo de pena, que nos levou a voltar no tempo e fazer contas com frações em pleno nível superior, depois de não ter contato com isso desde o ensino médio (no meu caso, cerca de vinte anos atrás). Tudo aconteceu como ela tinha dito no primeiro dia de aula. Muita matéria para estudar, muitas referências para expandir o conhecimento, bastante coisa pra ler e anotações para fazer nos códigos (os permitidos lembretes feitos com post-it no Vade Mecum). Provas que resumiam o conteúdo, trabalhos que exercitavam conceitos. Na época, era necessário escolher um professor dentre as disciplinas cursadas no semestre para que fosse orientado um trabalho extra, que contabilizava pontos para todas as matérias, a chamada APS (Atividade Prática Supervisionada). Nosso grupo da frente da sala escolheu ela como supervisora e, juntos, produzimos um trabalho de pesquisa sobre o uso da tecnologia Blockchain no enfrentamento aos crimes de corrupção. Um trabalho simples e desafiador, que nos enriqueceu tanto pela pesquisa em si quanto pela oportunidade de sermos supervisionados com tanta atenção e esmero. Ao final da jornada do semestre, todos estávamos muito satisfeitos e encantados com aquela professora tão dedicada e atenciosa. Aprendemos muito e criamos um grau de admiração pela qualidade das aulas, pela didática, pelo carisma, pela seriedade com que os assuntos eram tratados. 

Rapidamente descobri que não era o único a gostar tanto das aulas dela. Além do meu grupo, diversos colegas de outras turmas teciam elogios incansáveis pelo trabalho que ela realizava. Um certo dia, no ano seguinte, o Diretório Acadêmico organizou no período vespertino um pequeno evento, uma palestra sobre uma viagem pessoal incrível que ela havia feito, uma expedição para o Polo Norte. Não tinha nada a ver com Direito ou assuntos assemelhados, era apenas um encontro para ela mostrar fotos e contar coisas da viagem. Por ser num horário um pouco mais cedo, eu cheguei quase na hora de começar a palestra, e quase não achei lugar para sentar. Tive que me contentar com uma cadeira bem ao fundo, porque a sala estava lotada. Mais cem lugares ocupados. E no decorrer da apresentação foi chegando mais gente, que sentava no chão ou ficava em pé, para poder participar daquele momento com uma pessoa tão querida e admirável. O carinho de todos por aquela Profe era imenso.

Isso tudo só fazia aumentar minha admiração por aquela mulher forte, segura, dona de uma mente brilhante e com uma habilidade única para ensinar. Os alunos que levavam o curso a sério tinham nela uma referência, e, mais do que isso, uma fonte de inspiração. Todos queríamos absorver um pouco daquele brilho encantador. Todos sentíamos orgulho de ser seus alunos.

Meses depois deste evento, no semestre seguinte, tive a oportunidade de me inscrever em outra disciplina com ela. Faria Processo Civil 1, minha primeira disciplina de processo no curso. Fiquei ansioso, sabia que seria difícil, mas com ela à frente estava tudo bem. Seria um ótimo semestre. Estava tão feliz na primeira aula que fotografei ela diante do quadro branco e enviei a foto para um amigo, o Mauro, como que contando vantagem por estar ali. Ele brincou com minha alegria e desejou sorte. Tudo daria certo.

Porém, como é comum na vida, alguns fatos acontecem fora dos nossos planos e as coisas mudam radicalmente. Na segunda semana de aula recebi uma mensagem da instituição dizendo que ela havia sido “desligada do quadro de professores”, e que providenciariam um substituto. Segundo disseram os alunos pelos corredores, o motivo teria sido a postura dela perante a administração da faculdade. Na visão dela, allgumas mudanças implementadas prejudicariam os alunos isso teria causado um grande atrito, com ela enfrentando a vontade da coordenação do curso e da gestão. Teria, inclusive, se posicionado publicamente contra algumas mudanças, o que para eles era inaceitável. Demitiram ela já com o semestre iniciado, nos privando de algo que queríamos muito, que era cursar uma das disciplinas mais importantes de todo o curso com a melhor professora. 

Fiquei muito triste. Decidi cancelar a disciplina em protesto, mas fui convencido a não fazer isso por uma colega que gostava tanto daquela Profe quanto eu, a Ví, com quem fui desabafar o quanto estava frustrado e revoltado. Segundo me disse a colega, eu me prejudicaria em algo que não faria diferença para a instituição e, gostando ou não, teria que concluir aquela disciplina com o outro professor no futuro. Achei coerente e optei por desistir de desistir. Muito contrariado, acabei seguindo em frente e concluindo o semestre e engolindo aquele sapo. 

Apesar de muito chateado, uma coisa me deixava esperançoso, eu acreditava que ela era boa demais para o afastamento ser uma situação permanente. Tinha esperança que as diferenças se resolvessem e chamassem ela de volta. Eu queria ser aluno dela mais vezes, queria fazer meu trabalho de conclusão de curso com ela. Aquele desligamento deveria ser algo temporário, no futuro eu teria sim oportunidade de estudar com ela de novo...

Terrível engano.

Na manhã do dia 8 de setembro eu recebi uma mensagem no grupo da faculdade, dizendo  que a nossa estimada Profe Suelen havia falecido.

Fiquei devastado. Não conseguia acreditar. Deveria ser algum engano, ela era jovem, tinha só 34 anos, uma carreira incrível. Não fazia sentido nenhum aquela notícia! Mas, infelizmente, era verdade. Em situações que não foram publicadas e que disseram estar sendo investigadas pela polícia, o corpo dela foi encontrado em casa. Muitos nos grupos do WhattsApp disseram que ela teria sido vítima de um tiro, mas ninguém tinha certeza de nada. Especulavam bastante, diziam todo tipo de coisa. A comoção foi geral, o celular começou a ferver de mensagens nos grupos, ninguém entendia o que tinha acontecido. Alguns colegas vieram falar comigo em privado, conversar um pouco, tentar entender, desabafar. Foi um dia horrível em que deixou todo mundo perplexo.  Não importa como, não importa a razão, nossa Profe tinha nos deixado para sempre. Tive uma reação muito forte, fiquei muito pra baixo. Senti meu corpo febril, um desânimo brutal tomou conta de mim. Esse ano de 2020 tem sido macabro em diversos aspectos, com muitas tragédias. Agora mais isso. Perco alguém por quem nutri admiração como poucas vezes senti na vida. E dessa forma tão violenta, tão terrível. Fiquei acabado por dias. Amigos e pessoas próximas notaram meu abatimento, que falhei ao tentar disfarçar. Estava muito triste. Na aula online que participei, a turma estava mais silenciosa que o normal, e uma colega que não conheço pediu desculpas para o professor por não participar muito da aula naquele dia, e todos sabíamos porque.

É uma situação muito, muito triste em que uma vida preciosa deixou esse mundo e o espaço que deixou está sendo sentido por muitas pessoas diferentes. Um buraco nos nossos corações. Por isso estou aqui agora, escrevendo como forma de lidar com o que sinto. 

Resolvi registrar aqui essa história para que fique como uma silenciosa homenagem à alguém que passou pela vida espalhando o bem. Ensinando pelo exemplo, com dedicação e carinho pelo trabalho como poucos conseguem ter. O tempo vai seguir seu rumo, a vida vai continuar. Mas certamente, apesar da curta experiência de convívio, as marcas que essa inesquecível Profe deixou são para sempre. Nunca vou esquecer o quanto ela se dedicava aos alunos, o quanto levava a sério sua função. A habilidade incrível que tinha de mesclar rigidez com doçura. Nunca vou esquecer os slides com gifs animados para descontrair em dias de prova, a coragem de externar opiniões politicamente incorretas, as piadas de cultura pop que só os nerds seriam capazes de compreender, o senso de humor leve para falar sobre exemplos práticos aterradores, as brincadeiras sobre nosso grupo da frente ser “a mafia do iogurte” (piada interna). Embora tenha deixado esse mundo, essa Profe magnífica estará viva para sempre em nossa memória, em nossos corações. E com toda certeza influenciará os profissionais que muitos de nós nos tornaremos no futuro. Sua passagem foi breve e importante. Oro para que o Eterno acolha muito bem sua alma e lhe transmita todo o amor que sentimos. Que esteja em bom lugar, se sentindo feliz, junto das almas de pessoas que ela amou aqui e já estão do lado de lá também. Nós, alunos, seguiremos em frente com os estudos, certamente ela iria querer isso. Ela, que foi a melhor, iria querer o melhor para nós. Descanse em paz, Profe Suelen. Obrigado por tudo.



Caxias do Sul, 06 de março de 2020. Primeira aula de Processo Civil 1.