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quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Sonhar no front


A ansiedade faz sofrer por antecedência. E não é pouco. Insônia, queda de cabelo, gastrite, dores musculares, ânsia de vômito pela manhã. Só de estar imerso em compromissos que tem sua parcela de chance de darem errado, coisa comum na vida, já é o suficiente para desencadear um tormento patológico totalmente desproporcional. O ritmo de vida que levo, entre trabalho e estudos motivados pelo senso de obrigação, normalmente já seria suficientemente pesado de carregar pelas próprias características dos afazeres. Mas tudo fica muito pior com a antecipação das emoções de falha e fracasso que a doença me faz ter em tudo que faço.

Estamos nas semanas finais do ano, com trabalhos grandes para entregar e provas decisivas em todas as disciplinas da faculdade. Além dos preparativos tradicionais no meu trabalho para encerrar e preparar o início do próximo ano, com relatórios e programações que transcendem em muito o horário de expediente. Uma rotina corporativa tradicional com atividade universitária padrão. De forma alguma pode-se classificar esses períodos como fáceis. São parte do sacrifício diário que é viver e acreditar em dias melhores. Mas faço tudo ser ainda pior com essa maldita doença que vê tudo como ruim e espera sempre o pior cenário possível.

A vida, às vezes, se enche de coisas que não temos lá muito prazer em fazer mas que são necessárias para que tudo continue funcionando como deve. E nessas horas é preciso soprar as brasas da motivação e seguir fazendo o que é devido com o máximo de esmero possível, buscando focar a mente no senso de dever com mais intensidade do que nos sonhos. São etapas onde o que quero de verdade para minha vida se torna um objetivo menos valorizado nos pensamentos diários. Não chegam a sumir, mas ficam em segundo plano enquanto escrevo, organizo, preparo apresentações e cumpro prazos.

Mas, neste ano, pela primeira vez na vida, acho que estou vivendo com o grau de lucidez necessário para manter a fé nos meus sonhos apesar de todo o veneno que a ansiedade e a depressão fazem circular no meu corpo e mente. Apesar de estar estressado, chateado por ter que ocupar um espaço tão grande no meu tempo com tarefas insossas. E por ser metralhado todos os dias com uma bateria de artilharia pesada de pensamentos desagradáveis de desânimo, frustração antecipada por coisas que podem não sair como o esperado, baixa auto estima, descrença… Isso tudo com sintomas físicos de cansaço e somatização de coisas ruins. Apesar disso tudo, eu finalmente sei o que responder quando me pergunto o que quero dessa vida. E a resposta é clara, direta. Não algo abstrato, hipotético. Mas, sim, um sonho concreto e possível de alcançar. Isso faz toda a diferença.

Lembro de uma cena do filme Clube da Luta (dirigido por David Fincher, 1999), onde o personagem Tyler Durden, interpretado por Brad Pitt, está dirigindo um carro na chuva e pergunta “o que vocês gostariam de fazer antes de morrer?” e, prontamente, os space monkeys que estão com ele respondem: “Pintar um auto retrato” e “construir uma casa”. Na história, Tyler arquiteta com um amigo uma organização terrorista anarquista que não visa tomar o poder, mas simplesmente questioná-lo deliberadamente. Oferecendo uma visão libertária para seus adeptos. Fazendo-os pensar sobre sua existência e seu papel no mundo. No mesmo filme ele ainda aponta uma arma para a cabeça do desesperado Raymond e que em lágrimas revela que gostaria de ser veterinário, mas acabou como balconista numa loja de conveniência. O que irrita Tyler que o ameaça de morte se não perseguir seus sonhos a partir do dia seguinte. Nos dois casos vemos que ter um sonho para si mesmo é algo importante para Tyler e seus discípulos. Tão importante quanto a percepção de que a vida um dia chegará ao fim. De forma violenta, o filme nos diz que ter consciência clara sobre o sonho da vida é fundamental, assim como perseguir esse sonho. O sonho é o que nos leva a dar o passo adiante em nossa vida sem sentido que um dia terminará independentemente da nossa vontade. Essas cenas, e esse filme como um todo, passaram a fazer muito mais sentido para mim quando me dei conta que um dia minha vida acabará sem que eu possa fazer nada para interferir. Nem mesmo as tentativas de suicídio foram capazes de antecipar a hora da minha partida. A minha hora de morrer é um total mistério, apesar de ser a mais certeira das ocasiões da vida. A única certeza que podemos ter é que um dia morreremos, mas geralmente não se pensa muito nisso. E pensar nisso faz mudar alguns conceitos. Juntamente com essa consciência de mim mesmo e da consequente finitude da vida, as experiências me trouxeram a ter hoje uma clareza em algo que quero mais do que tudo. Um desejo que gostaria de realizar antes de morrer, o maior sonho da minha vida. Tal qual os space monkeys do filme ou o pobre Raymond ajoelhado no chão com um revólver apontado para sua cabeça, eu mesmo hoje tenho autoconhecimento suficiente para saber o que quero da vida. Posso responder instantaneamente sem titubear se me for perguntado. E isso é que tem feito toda a diferença na minha jornada.

Sigo fazendo o que devo. Acordando de manhã, cumprindo as tarefas no trabalho e na faculdade, lidando com a depressão e a ansiedade enquanto me espremo para fazer tudo que tenho que fazer. Passo pela vida suportando a ideia de usar meu tempo com obrigações inevitáveis e brigando com as doenças que me atormentam a mente. Mas, neste momento, depois de tudo que passei e tudo que descobri sobre mim mesmo, faço isso sabendo qual é meu sonho, e agindo em favor dele. Fazendo algo ao meu alcance para me aproximar de realizar esse sonho. Por menor que seja a iniciativa, por mais simples e singela que seja a ação, qualquer coisa que faça em direção a realização desse sonho me renova as forças. Fortalece a esperança e clareia a mente. Tudo que estou passando é passageiro, pois tenho um plano particular em andamento, algo muito íntimo, que é o meu real propósito na vida. E tenho feito o que está a meu alcance para realizá-lo. Não importa o quanto minhas rotinas sejam chatas e sem sentido, as tarefas do dia a dia que sou obrigado a cumprir não são minha prioridade. Existe um sonho, um objetivo maior que norteia minhas decisões mais importantes. Por isso nada de desagradável importa realmente, pois tudo passou a ser parte do plano. Tudo está me levando em direção ao meu sonho.

Se sua vida não é o que você gostaria que fosse, sugiro que faça esse exercício, de buscar dentro de si a resposta para a pergunta “qual o meu maior sonho?”. E no mesmo instante que descobrir a resposta, passar a fazer algo para conseguir isso. Algo que pode ser uma ação pequena no meio da semana, alguns minutos do dia. Passar a fazer algo que esteja ao seu alcance e que possa ser feito com frequência, para que possa sentir que, mesmo que pouco, está fazendo algo para realizar o seu maior sonho. Pode ser um segredo seu, algo muito particular. Mas que seja real, que seja a concretização possível do sonho que será o norte da sua vida a partir do momento em que começar a persegui-lo. Que seja pouco, que seja o mínimo no começo, mas que seja real. E que você invista seu tempo e sua energia naquilo, aumentando e melhorando com o tempo. Isso fará toda a diferença nos seus resultados e dará outro gosto à sua vida. Sonhar e perseguir os sonhos traz sentido para uma vida aparentemente sem propósito. É assim que tenho lidado com minha rotina e é isso que recomendo a todos que passam pelo que eu tenho passado.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Pecados capitais


Certa feita ouvi falar sobre uma teoria do senso comum, de que sobre cada pessoa predomina um dos sete pecados capitais. Cada um teria um pecado principal influenciando a vida e as decisões. Alguns seriam atormentados pela gula, tendo dentro de si um apetite insaciável por qualquer coisa que alimente seu desejo. Comida, bebida, poder, dinheiro, sexo… Tudo que possa trazer uma sensação de “quanto mais, melhor” vira um problema quando todas as ações se restringem a ter mais e mais satisfação em consumir. Como um viciado descontrolado diante do objeto de sua dependência, em casos extremos levando a cometer atrocidades para ter cada vez mais, não se importando com o mal que cause a si ou a outras pessoas. Outros seriam regidos pela ira, deixando-se perder em ódio e sede de vingança contra quem o provoque. Desejando mais do que tudo destruir algo, ou alguém, e tomando todas as decisões com foco em conquistar esse objetivo. Outros ainda seriam movidos principalmente pela luxúria, colocando suas paixões e desejos materiais como prioridade da vida, anulando em si tudo que não seja prazer físico e ostentação de bens materiais. E assim por diante, tendo pessoas controladas pela inveja, avareza, preguiça e orgulho. Cada um em seu próprio mundo.

Em princípio parece só mais uma bobagem de crendice popular mas, meditando um pouco sobre esse tema, pode-se perceber de onde surgiu essa superstição. Provavelmente a ideia de agrupar as más tendências humanas em sete conceitos básicos e declará-las como pecados foi o resultado de muita meditação e filosofia. Não vejo porque discordar desses conceitos como sendo impulsos primordiais reais inerentes aos seres humanos e também não discordo que são prejudiciais, precisando ser contidos para não trazer sofrimento e malefícios. Ao mesmo tempo, rapidamente posso pensar em personagens, que conheci pessoalmente ou através de alguma ficção, que sejam manifestações práticas de alguns desses ditos pecados em pessoa. É comum conhecermos pessoas que vivem suas vidas segundo mandam seus instintos mais fortes, em alguns casos sendo esses instintos algumas dessas tendências nomeadas como pecados capitais. Ao longo do tempo, conheci pessoas incrivelmente egoístas, cruéis, fúteis e totalmente inconvenientes com seus desejos. Gente que atrapalha a vida de outras pessoas sem dar a mínima importância para os efeitos das suas ações, simplesmente levando em consideração o seu próprio ponto de vista. Já tive o desprazer de conhecer gente tão invejosa que a convivência obrigatória me desenvolveu doenças psíquicas. Já tive que lidar com gente absolutamente descontrolada sexualmente, que perturbava todos ao redor com sua nojenta necessidade de sedução. Gente capaz de fingir amizade e respeito por interesse, que eram educadas e gentis na frente mas quando virava as costas se transformavam em poços de desprezo e arrogância. Gente que se diverte com o sofrimento alheio, que solta gargalhadas diante do desespero e sofrimento de outros. Por causa do meu trabalho, tive que lidar com toda sorte de vermes que se pode imaginar, a política atrai o que há de pior no mundo, mas também por passar muito tempo com a mente alterada, escolhi mal minhas companhias e aceitei a presença de gente falsa, com discursos artificiais de amizade e carinho. Pessoas que invariavelmente se aproveitaram das minhas boas intenções enquanto fingiam se importar comigo. Tanto na vida profissional quanto na pessoal, tive que conviver com pessoas más que me prejudicaram mais do que eu deveria ter deixado. Algumas dessas relações duraram anos e me custaram muito em termos de saúde mental. E nesses casos, vejo claramente o que queriam dizer as pessoas que inventaram a teoria de sermos mais influenciados por um ou outro pecado capital. Os piores sentimentos e comportamentos humanos podem ser agrupados segundo uma lógica nos sete aspectos elencados biblicamente. E é perfeitamente possível conhecer pessoas que manifestam alguns desses ímpetos com mais intensidade, ao ponto de serem criaturas de caráter maligno, prejudicial à quem está sujeito à sua presença.

Mas não é só nos outros que é possível perceber tendências que possam ser descritas nos sete pecados capitais. Olhando para mim mesmo e analisando diferentes épocas da vida, percebo que eu também fui governado por algumas dessas tendências. Talvez não possa sentenciar um único pecado para toda a vida, talvez no meu caso seja um pecado para cada fase. Posso identificar períodos em que fui governado pela ira, pela gula, luxúria, ou até mesmo fragmentar ainda mais o tempo e identificar a energia dos pecados em decisões isoladas. Em alguns casos sendo avarento, noutros sendo invejoso. Sempre com consequências tristes com o passar do tempo. Ao mesmo tempo em que minha memória rapidamente elege figuras desprezíveis que me prejudicaram movidos por esses impulsos pecaminosos, também trago no coração arrependimentos e mágoas por ter sido eu em diversas ocasiões o autor da injustiça.

Hoje em dia posso dizer que tento ser cuidadoso nas minhas ações, me esforço para não ser cruel com quem quer que seja. Policio minhas decisões e interpretações da vida e do mundo, sempre tentando ficar longe do que julgo ser o mal, o que pode perfeitamente ser enquadrado no que descrevem os sete pecados capitais. É um compromisso que tenho comigo mesmo e com Deus, de andar na linha, fazer o que é certo e nunca ser injusto ou me beneficiar do prejuízo de alguém. Tento não ser invejoso, tento não ser raivoso, tento não ceder aos desejos ao ponto de ser escravo, tento ser alguém decente. Não é um caminho fácil, é preciso esforço para não fazer o mal. Mas apesar de estar muito longe da perfeição, já noto resultados positivos em mim mesmo no que diz respeito ao convívio com as pessoas. Continuo sendo um reles humano, mas me esforço para ser um humano dos bons. Atualmente o pecado que mais se destaca em mim, sem dúvida, é a preguiça. Em parte por causa da depressão, mas não só por isso, preciso travar batalhas diárias para fazer o que devo sem desistir. E mesmo cheio de afazeres, sinto que poderia produzir muito mais se não passasse tanto tempo me entregando ao nada. Talvez nessa fase atual, o pecado capital mais influente em mim seja esse, ou, pelo menos é o que mais se destaca. Perceber isso me ajuda a entender onde devo agir para melhorar. Me faz saber qual o nome do adversário que estou enfrentando e bolar estratégias para derrotá-lo.

Refletir sobre essa teoria me fez pensar em várias coisas que podem vir a ser úteis no entendimento da vida. Me ajuda a ter certeza de que é preciso ficar longe de gente má e, quando for impossível, pelo menos evitar ao máximo que sua influência exerça algum controle. Lembrei de um monte de gente com quem aprendi como não devo ser, exemplos negativos de como é estar perto de alguém ruim. E também percebi em mim mesmo coisas que carrego nas recordações que gostaria de não ter feito, vezes em que gostaria de ter sido uma pessoa diferente. Parâmetros e referências para me basear no que quero ser hoje e no que devo me concentrar para melhorar.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Ocupar o tempo


É muito terapêutico cumprir compromissos. Aderir a iniciativas que demandem trabalho e dedicação, como fazer um curso ou iniciar uma nova atividade regular. Assumir o compromisso de produzir algo num prazo pré estabelecido é algo que faz muita diferença no dia a dia do enfrentamento dos sintomas da depressão. Ocupar-se com algo útil, que desperte o sentimento de estar comprometido com algo, tornam os dias muito mais fáceis de serem vencidos do que simplesmente agir no piloto automático enquanto o tempo passa. Por mais que muitas vezes o trabalho principal ocupe quase o tempo inteiro do nosso dia e não seja uma ocupação na qual tenhamos prazer ou orgulho de realizar, sempre é possível ocupar o pouco tempo que nos resta na vida pessoal com algo que fazemos por gosto. Mesmo que seja um hobby sem nenhuma pretensão. Mesmo que seja apenas um ensaio do que seria um sonho. Essa ocupação do tempo com algo que possamos fazer para nós mesmos pode ser muito mais do que uma bengala para levar os dias, pode ser, em verdade, um motivo para seguir em frente quando as coisas ficam confusas ou escuras demais.

Atualmente me aproximo da metade do curso de Direito e, frequentemente, preciso dedicar o tempo que usaria em meu lazer para produzir textos e trabalhos pedidos pelos professores, além de estudar para passar em provas bem difíceis. Nas últimas duas semanas estive envolvido com a produção de um artigo e a preparação para a apresentação em um seminário em sala de aula. Fiz a pesquisa do tema, elaborei um texto base, depois lapidei até ficar apresentável, inseri as referências e os créditos necessários e enviei. Depois passei uns dias estudando o que tinha escrito e ensaiando a apresentação. No fim correu tudo bem, consegui entregar um artigo decente e fazer uma explanação satisfatória diante da turma. Fiquei muito nervoso nos dias que antecederam a apresentação e principalmente na hora de falar, mas deu tudo certo no final das contas. A satisfação de concluir um trabalho complicado é muito grande, é como tirar um peso das costas. As expectativas de que as coisas fossem bem ocuparam minha mente por dias, dando um bom motivo para cumprir com meus compromissos e forçar um otimismo em horas de maior ansiedade. Sustentaram meu humor com o sentido de dever. Ter essa obrigação me ajudou a passar pelos dias cercados de tarefas que não gosto de fazer, mas que são necessárias. Fazer uma outra graduação foi uma escolha importante nesse sentido, pois tem me dado muito com o que me ocupar. E a sensação de ter algo sério e útil para fazer traz sentido à vida.

Quando estive internado, poucos anos atrás, era incentivado que fizesse atividades em grupo os outros internos. Ofereciam tarefas manuais, como artesanato por exemplo. Passar os dias dentro de uma clínica de repouso pode ser penoso se não houver um sentido na espera, se não tiver uma ocupação para preencher o espaço. Mesmo para mim, que tenho grande habilidade em me entreter sozinho, chega uma hora que simplesmente descansar e ler o dia todo se torna insuportável. Foi quando me me aproximei dos funcionários que cuidavam das tarefas e me ofereci para ajudar em algo. Passei uns dias pintando brinquedos de madeira e, por mais boba que seja essa tarefa, foi o que me animou. Ter algo para fazer, algo lógico para depositar o tempo, faz muita diferença no humor e na percepção do mundo.

Tenho um emprego digno e ordenado. Trabalho basicamente resolvendo problemas diários e lidando com imprevistos. Mas já tem bastante tempo que o ambiente onde desenvolvo minhas funções não me faz bem. Faço o que faço por ser a opção que surgiu na minha vida, não por entusiasmo. É um sentimento de “é o que tem pra janta” que me move todos os dias, enquanto espero ansiosamente por períodos de folga. Gostaria de dedicar as tantas horas do meu dia gastas com burocracia e joguinhos de poder para fazer outras coisas, me sentir mais útil, construir algo real. Queria que meu trabalho principal tivesse um sentido maior, que me fizesse sentir realmente útil. Queria estar construindo algo. Mas, infelizmente, essa não é uma opção no momento. Sou grato pelo que tenho e faço o melhor que posso para retribuir os privilégios que posso usufruir. Sei que muitos gostariam de estar no meu lugar. Eu mesmo já estiver em situações onde o que tenho hoje seria visto como o paraíso. Por isso sigo cumprindo com meu dever, preenchendo meus dias com obrigações que não gosto muito de fazer mas que couberam a mim. Alguém precisa fazer o que eu faço, e nesse momento quem está fazendo sou eu. Baseio minha motivação no senso de dever.

Essa visão pouco romântica e desanimada da realidade às vezes se acumula e forma bolsões de agonia, anseio por mudanças drásticas, vontade de abandonar tudo. Mas sempre resisto e sigo em frente, repetindo para mim mesmo que preciso fazer o que preciso fazer. É o que tenho em mãos, é meu dever. Ao longo dos anos, essa sensação de não estar vivendo a vida que gostaria pesou bastante e acabou contribuindo para piorar o meu quadro depressivo. Tive que aprender a lidar com isso da melhor forma que encontrei, que foi estabelecer tarefas para mim mesmo no tempo que me sobrava. Hoje busco ocupar meu tempo fora do trabalho com tarefas que me façam sentir melhor, que tenham um sentido maior. Por isso faço outra faculdade e por isso me dedico a escrever em um blog com audiência próxima de zero. Ter para fazer algo que faz parte do que eu defini como sendo prioridade, sentir que estou investindo meu tempo em algo superior e não apenas deixando a vida me levar sem escolher nada, me ajuda a valorizar o que tenho e ter esperança em um futuro melhor. Acreditar que um dia as coisas podem ser mais intensas e úteis. Me ajuda a ver o mundo com um sentido diferente de apenas esperar o dia da morte.

Fazer o que é preciso é um ponto importante da vida. É preciso sobreviver, cumprir o básico de obrigações diárias. E geralmente o sustento vem de funções que não escolhemos, apenas aceitamos quando nos foi ofertado. Mas sempre há um tempo sobrando onde podemos dedicar para fazer algo para si, algo cujo pagamento pela conclusão é a própria satisfação de ter feito. E é com isso que tenho buscado preencher o meu tempo além das obrigações: com outras obrigações criadas por mim mesmo. Para sentir que pelo menos uma parte da minha vida é uma escolha. Sentir que sou responsável e posso dedicar meu trabalho, diretamente, para construir algo de valor. Quem sabe, e assim espero, no futuro o que poderá surgir dessa dedicação possa ser o meu trabalho principal, possa ser o meu sustento? Espero do fundo do coração que sim. Mas, se não for, pelo menos tem sido um bom jeito de ocupar o tempo. Tem me sustentado quando os pensamentos de baixa auto estima dominam a mente e me fazem sentir um inútil sem valor. Como uma estrada em que sigo andando sem saber onde estou indo. Não andando para chegar ao final, mas para simplesmente não parar de andar.


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Sobre o Demônio do Meio Dia


Tenho estudado sobre a depressão. Sobre as características e as descobertas feitas pela ciência, sobre as formas mais eficientes de lidar com o chamado “mal do século”, sobre como ajudar as pessoas que convivem comigo a entender o que se passa quando tenho crises. Por indicação de um amigo, há uns dias, chegou até minhas mãos o livro O Demônio do Meio-Dia: Um Atlas da Depressão, escrito por Andrew Solomon. Uma obra fantástica e muito esclarecedora. Ainda não terminei mas, já aprendi tanto que estou recomendando a leitura a todos os amigos que se interessem pelo tema. O autor esmiúça a depressão nos mínimos detalhes, abrangendo desde as questões fisiológicas até as culturais. Listas de medicamentos, tratamentos e seus efeitos, a influência da doença nas decisões, os graus de depressão, os tratamentos alternativos, a forma como a medicina encarou o quadro depressivo ao longo da história, a influência das dificuldades financeiras nos quadros depressivos... Enquanto estou lendo, tenho a impressão de estar fazendo um curso sobre o assunto, no qual o professor se esforça para usar um linguajar o mais simples quanto possível, mesmo quando aborda aspectos clínicos complexos. De longe, essa é a melhor e mais acessível fonte de conhecimento sobre o assunto que já encontrei. E recomendo fortemente a leitura a todos que se interessam.

Entender o que acontece comigo, assim como buscar autoconhecimento, tem sido, provavelmente, o remédio mais eficiente de todos no que diz respeito a me sentir melhor comigo mesmo. Considero tanto a medicação quanto as sessões de terapia como as principais ferramentas no processo de evolução do quadro em que me encontrava quatro anos atrás, quando tive o acidente que quase me tirou a vida. Além das paranóias e traumas que tomavam quase a totalidade da minha mente na época, ainda estava cheio de frustrações fantasmagóricas e sequelas psicológicas de acontecimentos antigos. Minha visão de mim mesmo estava profundamente distorcida, o que me levava a ver somente os pontos negativos da vida, oscilando entre a raiva de mim mesmo e a autopiedade. O quadro era bastante dramático e, hoje eu sei, resultado de um longo caminho no qual me intoxiquei de sentimentos e memórias corrompidas ao longo dos anos até ficar tão encharcado de veneno que não conseguia sequer enxergar o mundo real direito. No estado em que me encontrava, poderia facilmente ficar preso para sempre em um círculo vicioso de auto destruição e decadência. Mas o que me aconteceu foi outra coisa. Nessa realidade eu reagi bem ao tratamento e pude aproveitar as oportunidades que a vida me ofereceu para voltar a ativa e manter as vitórias profissionais que com tanto sacrifício havia conquistado. E a partir dessa manutenção das estruturas pude iniciar um novo caminho, começando outra graduação, o que tem me custado bastante esforço e aumentado minha fé em um futuro melhor. Ou seja, não apenas melhorei dos sintomas, como toquei minha vida em frente e até mesmo subi alguns degraus da escada. Um resultado melhor do que o esperado.

Além do acompanhamento médico e consequente apoio químico, foi preciso muita força de vontade para que isso acontecesse como aconteceu. Hoje me sinto no meio de um caminho bom, sinto que cumpro com minhas obrigações e invisto em um futuro melhor para mim e para as pessoas que amo. Era tudo que eu precisava sentir para sair daquele poço. Foi preciso querer fazer as coisas certas com força o suficiente para não ficar apenas na vontade, mas para trazer ao mundo real as ações necessárias e dar os passos certos na direção certa. E a origem da motivação necessária veio do olhar sincero para dentro, das forças que encontrei através da análise e estudo de quem eu sou e como vejo as coisas que me acontecem. Foi graças ao esforço pelo autoconhecimento que tive forças para agir segundo o que achava certo. Foi através das ferramentas oferecidas pela psicologia, que minha terapeuta domina, que pude me ver como realmente sou e fazer escolhas diferentes do que tinha feito no passado. Foi assim que descobri o caminho. Fazer terapia com um profissional qualificado fez mais efeito do que todos os remédios e substâncias que já usei para tentar me sentir melhor ao longo de toda a vida. A bem da verdade, os problemas continuam lá, o mundo em que vivo ainda é o mesmo. Mas eu estou diferente, estou sóbrio, e tenho outras formas de lidar com as frustrações e desafios diários. Buscar por mim mesmo, viajar para dentro da minha mente, tem sido o principal remédio na minha recuperação. E somado a isso, sem dúvida, como regra básica da arte da guerra, é preciso conhecer o adversário. Saber lidar com seus avanços e reconhecer suas fraquezas. Por isso, ao mesmo tempo que me empenho tanto em me conhecer melhor, procuro ouvir histórias de pessoas que passam pelo mesmo que eu, busco referências, tento aprender com as experiências dos outros. Além de ler, assistir documentários e entrevistas com especialistas sobre o assunto sempre que posso. Para, cada vez mais, saber diferenciar o que realmente vem de mim do que vem da doença. E assim fazer escolhas melhores, sempre o mais de acordo com as minhas necessidades reais.

Fazendo um pequeno spoiler, Solomon diz no livro que escolheu o nome “Demônio do Meio Dia” para batizar sua obra por conta do que diz o Salmo 91, da Bíblia: Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia. Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia (Salmos 91:5,6). Segundo sua interpretação, a “mortandade que assola ao meio dia” é uma metáfora para o quadro patológico hoje conhecido como depressão. O que, pra mim, é bem fácil de observar como sendo coerente. A depressão é um inimigo a ser enfrentado. Um inimigo letal, que pode levar à morte o doente e, antes disso, destruir completamente sua vida fazendo com que tome caminhos terríveis, faça escolhas desastrosas e afunde em escuridão. Os efeitos psicológicos da depressão podem ser muito severos, uma vida totalmente equilibrada e ordenada pode vir abaixo, as melhores situações podem virar o inferno. O gosto pela vida pode desaparecer. Disso muita gente sabe. Mas o que não vejo muito ser comentado são os efeitos físicos da depressão. Os sintomas que chegam à mente através dos sentidos. Para quem não conhece os detalhes, é difícil explicar como se pode sentir um desânimo tão grande que nem para sair da cama para comer ou tomar banho, quanto mais trabalhar, a pessoa tem forças. Como podemos sentir febre, ter cãibras terríveis, desarranjos intestinais, como o estômago pode ficar tão sensível que o simples ato de escovar os dentes, ou ter um pensamento súbito, provocam vômitos totalmente aleatórios? Isso tudo sem estar envenenado ou contaminado por nenhum patógeno. Como uma tristeza tão forte ao ponto de causar dor física pode existir sem um motivo claro? Aliás, falando em dor, como explicar as dores pelo corpo todo, as irritantes e persistentes dores de cabeça, o desconforto extremo ao ficar em qualquer posição? A hipersensibilidade à luz, ao som, os surtos nervosos sem motivo, as crises de choro, a falta de apetite ou a fome desenfreada? E a insônia, os pesadelos constantes, a paralisia do sono? Todos esses sintomas, entre muitos outros, podem aparecer em pacientes depressivos e na maioria das vezes não se faz a conexão dos sintomas com a depressão. Procura-se por outras doenças, outras razões que não o desequilíbrio causado pela própria depressão. Isso tudo para ouvir em diversas ocasiões que é falta de força de vontade ou “frescura”, por ninguém perceber que tudo de ruim está conectado a uma doença real e séria. Depois de muito estudar, acabei descobrindo que não apenas o desânimo brutal que me derruba e a tristeza desmedida que sinto são sintomas da depressão, mas também um conjunto de inúmeras outras sensações desagradáveis que poderiam perfeitamente compor uma doença física não psíquica. Tudo acaba sendo interligado, tudo tem uma origem comum. A fraqueza resultante de tanto estresse emocional, as dores somatizadas, o mal funcionamento de órgãos. Tudo pode ser influenciado por um cérebro depressivo. Daí a necessidade de ter acompanhamento médico e usar medicamentos que ajudem a enfrentar os sintomas. Essa é uma realidade que era totalmente desconhecida para mim até alguns anos atrás. Nunca tinha parado para estudar a depressão como forma de autoconhecimento. Hoje, consciente de tantas coisas que não sabia, posso avaliar muito melhor meu quadro e agir de forma pragmática em relação aos sintomas, antes que tragam consequências mais graves. Essa maturidade traz uma outra perspectiva à situação, faz toda a diferença no enfrentamento do problema. Aceitar a depressão como uma doença crônica com sintomas variados foi um passo importante do meu despertar. Entender que as dores, as gripes fora de época, as panes fisiológicas em geral tinham conexão com a situação mental, que deveria tratar tudo como um problema só e reconhecer que sozinho não tinha forças para lidar com tudo aquilo. Perceber a mim mesmo como portador de uma condição verdadeiramente debilitante e buscar recursos para reduzir o impacto dos sintomas. Uma abordagem muito mais realista e global do problema. Somente o conhecimento foi capaz de me oferecer essa opção. Por isso valorizo tanto os estudos como parte do tratamento.

Recomendo a leitura do livro de Andrew Solomon já de início para quem quer começar a se informar sobre o assunto. Será como participar de um grande seminário onde praticamente tudo que se sabe sobre a depressão é abordado. E, somado a isso, sugiro que o tempo gasto na internet seja em parte dedicado à busca por informações das mais variadas fontes. Ler e assistir tudo o que encontrar. Essa prática em conjunto com os exercícios eficientes de autoconhecimento farão uma diferença enorme na vida de quem sofre desse terrível mal. Mesmo com um processo lento se conhecer melhor e conhecer bem o adversário serão armas importantes nas batalhas diárias que se seguirão ao longo de toda a vida.