É
muito terapêutico cumprir compromissos. Aderir a iniciativas que
demandem trabalho e dedicação, como fazer um curso ou iniciar uma
nova atividade regular. Assumir o compromisso de produzir algo num
prazo pré estabelecido é algo que faz muita diferença no dia a dia
do enfrentamento dos sintomas da depressão. Ocupar-se com algo útil,
que desperte o sentimento de estar comprometido com algo, tornam os
dias muito mais fáceis de serem vencidos do que simplesmente agir no
piloto automático enquanto o tempo passa. Por mais que muitas vezes
o trabalho principal ocupe quase o tempo inteiro do nosso dia e não
seja uma ocupação na qual tenhamos prazer ou orgulho de realizar,
sempre é possível ocupar o pouco tempo que nos resta na vida
pessoal com algo que fazemos por gosto. Mesmo que seja um hobby sem
nenhuma pretensão. Mesmo que seja apenas um ensaio do que seria um
sonho. Essa ocupação do tempo com algo que possamos fazer para nós
mesmos pode ser muito mais do que uma bengala para levar os dias,
pode ser, em verdade, um motivo para seguir em frente quando as
coisas ficam confusas ou escuras demais.
Atualmente
me aproximo da metade do curso de Direito e, frequentemente, preciso
dedicar o tempo que usaria em meu lazer para produzir textos e
trabalhos pedidos pelos professores, além de estudar para passar em
provas bem difíceis. Nas últimas duas semanas estive envolvido com
a produção de um artigo e a preparação para a apresentação em
um seminário em sala de aula. Fiz a pesquisa do tema, elaborei um
texto base, depois lapidei até ficar apresentável, inseri as
referências e os créditos necessários e enviei. Depois passei uns
dias estudando o que tinha escrito e ensaiando a apresentação. No
fim correu tudo bem, consegui entregar um artigo decente e fazer uma
explanação satisfatória diante da turma. Fiquei muito nervoso nos
dias que antecederam a apresentação e principalmente na hora de
falar, mas deu tudo certo no final das contas. A satisfação de
concluir um trabalho complicado é muito grande, é como tirar um
peso das costas. As expectativas de que as coisas fossem bem ocuparam
minha mente por dias, dando um bom motivo para cumprir com meus
compromissos e forçar um otimismo em horas de maior ansiedade.
Sustentaram meu humor com o sentido de dever. Ter essa obrigação me
ajudou a passar pelos dias cercados de tarefas que não gosto de
fazer, mas que são necessárias. Fazer uma outra graduação foi uma
escolha importante nesse sentido, pois tem me dado muito com o que me
ocupar. E a sensação de ter algo sério e útil para fazer traz
sentido à vida.
Quando
estive internado, poucos anos atrás, era incentivado que fizesse
atividades em grupo os outros internos. Ofereciam tarefas manuais,
como artesanato por exemplo. Passar os dias dentro de uma clínica de
repouso pode ser penoso se não houver um sentido na espera, se não
tiver uma ocupação para preencher o espaço. Mesmo para mim, que
tenho grande habilidade em me entreter sozinho, chega uma hora que
simplesmente descansar e ler o dia todo se torna insuportável. Foi
quando me me aproximei dos funcionários que cuidavam das tarefas e
me ofereci para ajudar em algo. Passei uns dias pintando brinquedos
de madeira e, por mais boba que seja essa tarefa, foi o que me
animou. Ter algo para fazer, algo lógico para depositar o tempo, faz
muita diferença no humor e na percepção do mundo.
Tenho
um emprego digno e ordenado. Trabalho basicamente resolvendo
problemas diários e lidando com imprevistos. Mas já tem bastante
tempo que o ambiente onde desenvolvo minhas funções não me faz
bem. Faço o que faço por ser a opção que surgiu na minha vida,
não por entusiasmo. É um sentimento de “é o que tem pra janta”
que me move todos os dias, enquanto espero ansiosamente por períodos
de folga. Gostaria de dedicar as tantas horas do meu dia gastas com
burocracia e joguinhos de poder para fazer outras coisas, me sentir
mais útil, construir algo real. Queria que meu trabalho principal
tivesse um sentido maior, que me fizesse sentir realmente útil.
Queria estar construindo algo. Mas, infelizmente, essa não é uma
opção no momento. Sou grato pelo que tenho e faço o melhor que
posso para retribuir os privilégios que posso usufruir. Sei que
muitos gostariam de estar no meu lugar. Eu mesmo já estiver em
situações onde o que tenho hoje seria visto como o paraíso. Por
isso sigo cumprindo com meu dever, preenchendo meus dias com
obrigações que não gosto muito de fazer mas que couberam a mim.
Alguém precisa fazer o que eu faço, e nesse momento quem está
fazendo sou eu. Baseio minha motivação no senso de dever.
Essa
visão pouco romântica e desanimada da realidade às vezes se
acumula e forma bolsões de agonia, anseio por mudanças drásticas,
vontade de abandonar tudo. Mas sempre resisto e sigo em frente,
repetindo para mim mesmo que preciso fazer o que preciso fazer. É o
que tenho em mãos, é meu dever. Ao longo dos anos, essa sensação
de não estar vivendo a vida que gostaria pesou bastante e acabou
contribuindo para piorar o meu quadro depressivo. Tive que aprender a
lidar com isso da melhor forma que encontrei, que foi estabelecer
tarefas para mim mesmo no tempo que me sobrava. Hoje busco ocupar meu
tempo fora do trabalho com tarefas que me façam sentir melhor, que
tenham um sentido maior. Por isso faço outra faculdade e por isso me
dedico a escrever em um blog com audiência próxima de zero. Ter
para fazer algo que faz parte do que eu defini como sendo
prioridade, sentir que estou investindo meu tempo em algo superior e
não apenas deixando a vida me levar sem escolher nada, me ajuda a
valorizar o que tenho e ter esperança em um futuro melhor. Acreditar
que um dia as coisas podem ser mais intensas e úteis. Me ajuda a ver
o mundo com um sentido diferente de apenas esperar o dia da morte.
Fazer
o que é preciso é um ponto importante da vida. É preciso
sobreviver, cumprir o básico de obrigações diárias. E geralmente
o sustento vem de funções que não escolhemos, apenas aceitamos
quando nos foi ofertado. Mas sempre há um tempo sobrando onde
podemos dedicar para fazer algo para si, algo cujo pagamento pela
conclusão é a própria satisfação de ter feito. E é com isso que
tenho buscado preencher o meu tempo além das obrigações: com
outras obrigações criadas por mim mesmo. Para sentir que pelo menos
uma parte da minha vida é uma escolha. Sentir que sou responsável e
posso dedicar meu trabalho, diretamente, para construir algo de
valor. Quem sabe, e assim espero, no futuro o que poderá surgir
dessa dedicação possa ser o meu trabalho principal, possa ser o meu
sustento? Espero do fundo do coração que sim. Mas, se não for,
pelo menos tem sido um bom jeito de ocupar o tempo. Tem me sustentado
quando os pensamentos de baixa auto estima dominam a mente e me fazem
sentir um inútil sem valor. Como uma estrada em que sigo andando sem
saber onde estou indo. Não andando para chegar ao final, mas para
simplesmente não parar de andar.
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