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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Season finale



2019 foi um ano cheio de situações onde me foi exigido esforço e resignação. Tanto na vida profissional quanto na pessoal, foi preciso me desdobrar para superar os desafios que surgiram e dependiam unicamente de resistência e persistência. Foram provas e trabalhos na faculdade sobre assuntos que compreendia muito pouco, situações que testaram a paciência e habilidades de lidar com estupidez e imaturidade no trabalho, ameaças constantes de ter minha vida prejudicada por outras pessoas, convívio diário com um ambiente que me é severamente tóxico, medo permanente de ficar mal como já estive no passado. Mas, apesar de tudo, chego aos últimos dias de dezembro deste ano satisfeito por ter superado algumas expectativas e vencido batalhas importantes. No final, por mais difícil que tenha sido, acabou dando tudo certo. Superei mais uma etapa, avancei mais alguns passos em direção ao meu sonho, não pisei fora da linha, não desandei, não tive recaídas da depressão, não tomei decisões burras. Posso dizer que foi um ano pesado, mas que serviu para evoluir.

Este blog marca uma experiência muito importante, no qual pude testar minha capacidade de cumprir objetivos custe o que custar. Eu estabeleci que escreveria aqui uma vez por semana durante seis meses, sempre um texto sobre o que me ocorre nessa batalha diária contra a ansiedade e depressão. E consegui manter a periodicidade religiosamente. Mesmo nos dias e semanas de maior sobrecarga de tarefas e responsabilidades. É bem importante pra mim perceber que sou capaz de cumrir com um compromisso auto imposto desta forma. Desde o primeiro texto, não houve uma semana sequer em que tenha ficado ausente de publicação. Me sinto grato e orgulhoso por ter conseguido isso.

O objetivo deste trabalho é simplesmente o de fazer algo por mim mesmo, motivado por puro desejo sincero, e não por necessidade financeira como os meus outros afazeres. Escrever sempre foi um refúgio pra mim, uma forma de lidar com a vida. Sempre mantive diários e fiz anotações em cadernos e blogs aleatórios. Sempre foi um desejo íntimo meu ter a escrita como uma responsabilidade. E esse blog materializou esse sonho, provando que posso sim construir algo no meio de toda a confusão que é a minha vida. Não preciso esperar que as coisas estejam melhores ou que o cenário seja o ideal. Posso começar agora e cumprir metas que eu mesmo estabeleci. O tema principal, a minha experiência com a depressão, surgiu em uma conversa com um amigo. Imaginei que talvez fosse útil a alguém se compartilhasse o que sinto e penso sendo um paciente depressivo em tratamento. Isso, é claro, além da função terapêutica de exteriorizar pensamentos e estruturar sensações em palavras que me faria muito bem. Já que estou me propondo a escrever semanalmente, nada melhor para servir de tema do que eu mesmo, minha cabeça e minhas percepções. Sou uma fonte abundante de matéria prima para escrever. E apesar de não trabalhar com nenhum tipo de divulgação, é muito satisfatório publicar textos que podem eventualmente chegar até pessoas que precisem do que eles dizem. Talvez seja pretensioso demais da minha parte, mas gostaria realmente que o que escrevi fosse útil para alguém.

Agora cumprida a meta de seis meses de publicações, sinto que preciso pensar em dar um passo adiante e buscar um novo tema. Me aventurar um pouco mais e sair da situação atual de apenas retratar pensamentos que me ocorrem no dia a dia. Preciso de algo mais desafiador. E graças ao cumprimento na íntegra do que me propus a fazer, sinto que essa é uma meta perfeitamente alcançável. Não estou dizendo que abandonarei este blog para sempre, mas creio que o que tenho para contribuir nesse assunto é muito pouco diante da gravidade do tema. Não sou nenhum especialista em doenças mentais, não estudo esse assunto como um buscador. Apenas senti necessidade de compartilhar minha experiência e o fiz da melhor forma que pude. E talvez seja mais útil ainda se eu buscar novos temas para escrever além de falar de mim mesmo.

Agradeço aos leitores que tive nesse meio tempo, e agradeço também aos leitores que visitarão essas páginas no futuro. É por vocês, pelo público, que decidi incluir a escrita entre minhas obrigações. Quero um dia ser capaz de escrever coisas que façam bem às pessoas, que sejam úteis. E mesmo que tenha tentado começar a trilhar esse caminho várias vezes ao longo da vida e sempre parado no meio do processo por um motivo ou outro, é aqui, neste blog sobre depressão, que comecei a encarar esse trabalho como algo que posso fazer sempre, independentemente do que esteja acontecendo na minha vida. Foi aqui que despertei para esse novo trilhar e espero que seja uma semente forte o suficiente para gerar uma grande árvore no futuro.

Obrigado a todos que estiverem lendo isso. Desejo que suas vidas sejam repletas de alegrias e que seus sonhos se realizem. Nos vemos por aí!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Meta de ano novo


Houve dois episódios em 2019 do que acreditei ser uma recaída da depressão. Um que durou mais ou menos um mês entre junho e julho e outro menor na segunda metade de novembro. Precisamente em períodos em que as atividades diárias atingem o ápice, devido ao fim do semestre da faculdade e do trabalho. Provavelmente por não me sentir bem trabalhando com o que trabalho e por muitas vezes sentir que não sirvo para o curso que estou fazendo, o aumento de responsabilidades com tarefas e prazos acaba liberando muito estresse na minha corrente sanguínea e me fazendo sentir mal. Realmente mal. Ao ponto de achar que o pesadelo da doença estaria voltando e aniquilaria com o pouco que pude construir nesses anos todos de trabalho. A bem da verdade, foram crises emocionais motivadas pelo aumento do estresse, algo que pode-se considerar natural. Mas a sensação que tive foi de uma iminente catástrofe se formando. Creio que muito desta sensação esteja fundamentado no medo que sinto de voltar a ter um quadro depressivo debilitante. Estar deprimido é como estar acorrentado da cabeça aos pés, a vida simplesmente para de acontecer e fica-se preso num looping de pensamentos e sensações ruins. O período em que estive à mercê da doença me levou a caminhos muito sofridos, arrependimentos e rancores difíceis de carregar. Foram etapas muito tristes onde estive perdido e fiz as piores escolhas possíveis. E morro de medo de ter que voltar para aquele lugar.

Em outro aspecto, as coisas no meu trabalho estão em constante mudança. O cenário já esteve bem positivo cheio de esperanças no passado, hoje nem tanto. Tenho feito coisas para andar em direção aos meus sonhos, iniciado trabalhos que espero serem a semeadura de uma colheita de longo prazo na minha vida. Iniciei projetos, investi tempo e energia em ideias que creio serem a abertura de um caminho benéfico. Tenho plantado muito o que entendo serem boas sementes. Mas não posso negar que a instabilidade do meu futuro no meu atual trabalho, somado com o esgotamento da paciência em ter que fazer coisas que desprezo, tem me enfraquecido o ânimo dia após dia. Por ser a única fonte de sustento e por ser a inauguração de um período no qual eu saí da posição de humilhado para a de sonhador, acabo valorizando muito o que tenho no momento. Sentindo medo de perder o que Deus me deu e ter que voltar à vida amarga onde a insuficiência era a regra. Tenho medo de as coisas mudarem para pior e ter que amargar novamente derrotas que me fizeram tão mal no passado.

Tanto na vida emocional quanto na vida profissional o medo é o mesmo, ter que regredir e voltar ao quadro tenebroso em que me encontrava tempos atrás, quando a vida não fazia sentido e pra onde eu olhava só via escuridão. E esse medo é tão real que chega a prejudicar minha rotina, interferir no meu sono, somatizar doenças no meu corpo. Talvez essa seja a pior coisa que possa me acontecer: ter que voltar para a vida que eu levava antes de despertar para as responsabilidades de uma vida em busca de fazer o certo.

A chegada do fim do ano motiva os pensamentos de planos para o futuro. Por isso me vejo nessa situação de avaliar as possibilidades e ensaiar cenários. E, infelizmente, tenho uma tendência cruel de esperar sempre o pior. Mesmo que nos últimos anos os acontecimentos tenham sido no sentido do exato contrário, com importantes vitórias e conquistas sendo somadas à minha biografia. Não sei o quanto desse pessimismo é simples mau hábito e o quanto é sintoma da própria depressão controlada que tanto me preocupa. Não me lembro de qualquer época em que esperei o melhor ao invés do pior. Acho que faz parte de quem eu sou, e, talvez, seja um bom aspecto a ser trabalhado para mudar. Enfrentar as situações com esperança, com fé. E seguir andando na ponte escura que é a vida com coragem, mesmo sem saber o que há pela frente. Eu gostaria de viver assim. Por isso, estabeleci que no ano que vem me esforçarei bastante para mudar esse aspecto da minha personalidade. Abrir mão do pessimismo, como quem se livra de um vício. E passar a viver aproveitando melhor o presente, grato e satisfeito com o que tenho ao invés de preocupado e triste de medo de perder. Creio ser essa uma boa meta para 2020.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A sutil arte


Essa semana fiz a última prova que faltava para encerrar o semestre da faculdade e entreguei o relatório final de atividades do ano no trabalho. Foi um ano bem puxado no que diz respeito a sacrifícios e passar por perrengues nervosos devido a compromissos. Em alguns momentos cheguei a pensar que precisaria de um apoio químico mais poderoso, remédios mais fortes, mas, graças a Deus, tudo foi se resolvendo naturalmente enquanto me segurava onde podia para não ser carregado pela onda.

Agora faltam poucos dias para que eu possa desfrutar o período de férias e consiga respirar um ar diferente. Tudo que eu gostaria é de um encerramento tranquilo de ano, com compromissos leves e expectativa de um ano melhor em 2020. Mas, infelizmente, no meu trabalho preciso lidar com destemperos e desequilíbrios advindos de outras pessoas. Por isso não está sendo possível desacelerar como gostaria antes de parar. Um monte de ideias “geniais” surgindo nas cabeças menos capazes e um sentido de urgência generalizado e absolutamente sem propósito são as medidas utilizadas para encerrar o ano por aqui. Algo frustrante e realmente irritante, principalmente depois de tanto trabalho e sofrimento. Em nada essa agitação sem sentido e sem lógica faz os dias serem proveitosos ou motiva coisas boas. Uma pena, realmente uma pena gastar tempo com isso. Mas é o que temos para hoje.

A única saída para não se encaminhar para um surto nos momentos finais antes do merecido descanso é fazer o que tenho feito, não levar nada muito a sério. Tentar não imaginar cenários futuros baseados nas loucuras de hoje, nem estressar demais com comentários burros ditos a esmo. Deixar o tempo passar naturalmente e flutuar entre os afazeres como uma pluma no vento. O que precisava ser feito já foi feito, os compromissos já foram cumpridos, os prazos já se encerraram. O que está acontecendo agora é uma sombra do que foi o ano, um resíduo amargo no fundo do copo. Nada além disso. Por isso, é mais fácil de desviar o pensamento do que no costumeiro manicômio que é a rotina de onde trabalho. É só repetir reiteradamente dentro da cabeça que tudo que está acontecendo agora é bobagem que será esquecida em breve. Não tem valor. Nada do que for criado agora, dentre a tonelada de besteiras ditas a cada minuto, realmente fará alguma diferença no futuro. O jogo agora é esperar o tempo passar e deixar tudo se organizar naturalmente. Permitir ser carregado pela corrente e apenas ficar na condição de observador dos fatos, interferindo o mínimo possível, lutando para não se aborrecer e nem permitir que se criem pensamentos negativos para o ano vindouro.

Logo chegam as férias e com elas o merecido descanso. O ano que vem será o que tiver que ser. E não há nada que possa ser feito para escapar de tudo de bom e de ruim que está programado para acontecer. O pacote é fechado, não editável e integral. Nos restando apenas a opção de como usar o tempo que nos é dado. Torcendo para que corra tudo bem e novas vitórias sejam acumuladas no meio de tanta confusão. É assim que funciona, é o que temos. Saber a hora de se desapegar do meio e simplesmente “deixar rolar” é uma boa forma de lidar com um cenário caótico e aparentemente sem propósito. Nem sempre é a melhor escolha mas, às vezes, é a única opção realmente possível. E é positivo saber reconhecer a hora de agir assim.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Tratamento


Esse ano tive alguns avanços no meu tratamento. Logo nos primeiros meses de 2019 o psiquiatra reduziu a medicação e me senti confortável com a dose menor. Uma conquista importante para quem deseja um dia não precisar tomar mais remédios de forma contínua. E também, ali pela metade do ano, minha terapeuta reduziu o número de sessões de duas para uma por semana. No auge dos problemas cheguei a ter três sessões semanais de terapia. Agora estou bem melhor e já não é necessário um acompanhamento tão rígido, por isso vi como um passo importante a redução dessa parte do tratamento também.

Lembro que a quatro anos cheguei a pensar que meu estado de perturbação seria permanente, que ficaria louco para sempre. Sem conseguir assistir filmes e séries, nem jogar videogame, certo de ser alvo de uma conspiração que me monitorava nos mínimos detalhes e com uma sensação constante de pavor, como se um grande mal estivesse à minha espreita e a qualquer momento me pegaria dentro de casa. Hoje vejo o quão distante aquela condição mental ficou, após um intenso e disciplinado trabalho profissional de reabilitação. Recentemente tive alguns sintomas físicos de estresse, devido às complicações de final de ano com tarefas muito difíceis e prazos muito curtos, que pareciam uma intoxicação alimentar, queda de cabelos, sono desregulado, entre outras coisas. Mas o tempo todo estive consciente do que estava acontecendo e me mantive firme, resignado, fazendo o que devia apesar dos empecilhos. Nem por um instante pensei ser a loucura voltando a dominar minha mente. Graças a Deus, aquilo é passado. E somente por estar em um estágio mais evoluído da minha relação com a depressão é que pude lidar com tudo que era preciso sem desabar. Sou muito sensível aos altos e baixos emocionais e preciso de um grande suporte para manter o equilíbrio quando as coisas ficam estressantes. Tenho esperança que um dia terei estrutura suficiente para lidar com qualquer coisa sem precisar de tratamentos médicos constantes. A evolução do meu quadro e a redução na rigidez do tratamento corroboram com essa visão. Mas, de momento, sou bastante grato por poder contar essas importantes e eficazes ferramentas de apoio.

Das pessoas que conheço que enfrentam problemas com depressão e ansiedade, quase ninguém faz um tratamento completo como o que eu faço. A grande maioria tem limitações econômicas, não é barato tratar essa doença, e acaba encontrando outras formas de lidar com a situação. Geralmente procurando tratamentos alternativos com ervas, florais, homeopatia e coisas assim. Frequentando algum grupo religioso como centros espíritas e igrejas ou grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos e assemelhados. Isso quando buscam algum tipo de tratamento, porque o mais comum mesmo é compensar as frustrações com drogas. Bebendo e fumando cigarros para os que respeitam a lei, e ingerindo substâncias ilícitas para os mais rebeldes. Eu mesmo já estive nessa posição, de precisar de ajuda mas não ter condições de investir em um tratamento correto. Sei bem como é ter que se virar com o que tem ao alcance para lidar com os transtornos causados pela doença. Por isso me sinto tão privilegiado por poder estar a quatro anos em tratamento completo contínuo, o que mudou minha vida e me possibilitou um despertar que antes seria impossível.

Com exceção da automedicação e uso de drogas em geral, considero que qualquer coisa que se faça para melhorar é um esforço válido. Remédios e substâncias somente podem ser usados com acompanhamento médico, mas o resto das opções que geralmente se encontra para suprir a falta de um tratamento adequado costumam ser bem melhor do que nada. Qualquer esforço para sair da situação ruim em que se encontra pode se reverter em algo bom no longo prazo. O importante é manter o foco e desejar com firmeza melhorar e sair do buraco. Ter paciência e fazer o que tiver ao seu alcance, aceitar as ajudas que surgirem com humildade e fazer o seu melhor.

A vida muda muito. Num momento tudo está ruim e não há perspectiva de futuro. De repente algo acontece que o papel a cumprir muda e tudo melhora, abrindo possibilidades que antes não poderiam nem ser imaginadas. É impossível prever tudo que está por vir em nossa vida e é burrice achar que a situação atual vai se manter para sempre. É tudo instável, frágil, efêmero. Tudo mutável. Basta ter paciência e plantar boas sementes, fazendo as coisas certas, que tudo se encaminha. E buscar melhorar é sempre uma boa escolha, sempre uma coisa certa a se fazer.

Se for possível fazer um bom tratamento com profissionais competentes e medicação eficiente, ótimo. É um privilégio que deve ser aproveitado ao máximo. Certamente os resultados virão bem mais rápido e serão mais duradouros. Se não for possível, é preciso ter paciência. Buscar ter claro para si que o problema é real e requer auxílio externo. E aceitar as boas ajudas que possam surgir, nas portas que se abrem e mãos que se estendem. Caprichar ao máximo na evolução do quadro para conseguir fazer boas escolhas, andar na linha, fazer o certo. E esperar que o tempo se encarregue se mudar o que está ruim e fortalecer o que for bom. Sempre com fé e coragem, trilhando o caminho com resignação enquanto supera as dificuldades e medos que surgirem.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Sonhar no front


A ansiedade faz sofrer por antecedência. E não é pouco. Insônia, queda de cabelo, gastrite, dores musculares, ânsia de vômito pela manhã. Só de estar imerso em compromissos que tem sua parcela de chance de darem errado, coisa comum na vida, já é o suficiente para desencadear um tormento patológico totalmente desproporcional. O ritmo de vida que levo, entre trabalho e estudos motivados pelo senso de obrigação, normalmente já seria suficientemente pesado de carregar pelas próprias características dos afazeres. Mas tudo fica muito pior com a antecipação das emoções de falha e fracasso que a doença me faz ter em tudo que faço.

Estamos nas semanas finais do ano, com trabalhos grandes para entregar e provas decisivas em todas as disciplinas da faculdade. Além dos preparativos tradicionais no meu trabalho para encerrar e preparar o início do próximo ano, com relatórios e programações que transcendem em muito o horário de expediente. Uma rotina corporativa tradicional com atividade universitária padrão. De forma alguma pode-se classificar esses períodos como fáceis. São parte do sacrifício diário que é viver e acreditar em dias melhores. Mas faço tudo ser ainda pior com essa maldita doença que vê tudo como ruim e espera sempre o pior cenário possível.

A vida, às vezes, se enche de coisas que não temos lá muito prazer em fazer mas que são necessárias para que tudo continue funcionando como deve. E nessas horas é preciso soprar as brasas da motivação e seguir fazendo o que é devido com o máximo de esmero possível, buscando focar a mente no senso de dever com mais intensidade do que nos sonhos. São etapas onde o que quero de verdade para minha vida se torna um objetivo menos valorizado nos pensamentos diários. Não chegam a sumir, mas ficam em segundo plano enquanto escrevo, organizo, preparo apresentações e cumpro prazos.

Mas, neste ano, pela primeira vez na vida, acho que estou vivendo com o grau de lucidez necessário para manter a fé nos meus sonhos apesar de todo o veneno que a ansiedade e a depressão fazem circular no meu corpo e mente. Apesar de estar estressado, chateado por ter que ocupar um espaço tão grande no meu tempo com tarefas insossas. E por ser metralhado todos os dias com uma bateria de artilharia pesada de pensamentos desagradáveis de desânimo, frustração antecipada por coisas que podem não sair como o esperado, baixa auto estima, descrença… Isso tudo com sintomas físicos de cansaço e somatização de coisas ruins. Apesar disso tudo, eu finalmente sei o que responder quando me pergunto o que quero dessa vida. E a resposta é clara, direta. Não algo abstrato, hipotético. Mas, sim, um sonho concreto e possível de alcançar. Isso faz toda a diferença.

Lembro de uma cena do filme Clube da Luta (dirigido por David Fincher, 1999), onde o personagem Tyler Durden, interpretado por Brad Pitt, está dirigindo um carro na chuva e pergunta “o que vocês gostariam de fazer antes de morrer?” e, prontamente, os space monkeys que estão com ele respondem: “Pintar um auto retrato” e “construir uma casa”. Na história, Tyler arquiteta com um amigo uma organização terrorista anarquista que não visa tomar o poder, mas simplesmente questioná-lo deliberadamente. Oferecendo uma visão libertária para seus adeptos. Fazendo-os pensar sobre sua existência e seu papel no mundo. No mesmo filme ele ainda aponta uma arma para a cabeça do desesperado Raymond e que em lágrimas revela que gostaria de ser veterinário, mas acabou como balconista numa loja de conveniência. O que irrita Tyler que o ameaça de morte se não perseguir seus sonhos a partir do dia seguinte. Nos dois casos vemos que ter um sonho para si mesmo é algo importante para Tyler e seus discípulos. Tão importante quanto a percepção de que a vida um dia chegará ao fim. De forma violenta, o filme nos diz que ter consciência clara sobre o sonho da vida é fundamental, assim como perseguir esse sonho. O sonho é o que nos leva a dar o passo adiante em nossa vida sem sentido que um dia terminará independentemente da nossa vontade. Essas cenas, e esse filme como um todo, passaram a fazer muito mais sentido para mim quando me dei conta que um dia minha vida acabará sem que eu possa fazer nada para interferir. Nem mesmo as tentativas de suicídio foram capazes de antecipar a hora da minha partida. A minha hora de morrer é um total mistério, apesar de ser a mais certeira das ocasiões da vida. A única certeza que podemos ter é que um dia morreremos, mas geralmente não se pensa muito nisso. E pensar nisso faz mudar alguns conceitos. Juntamente com essa consciência de mim mesmo e da consequente finitude da vida, as experiências me trouxeram a ter hoje uma clareza em algo que quero mais do que tudo. Um desejo que gostaria de realizar antes de morrer, o maior sonho da minha vida. Tal qual os space monkeys do filme ou o pobre Raymond ajoelhado no chão com um revólver apontado para sua cabeça, eu mesmo hoje tenho autoconhecimento suficiente para saber o que quero da vida. Posso responder instantaneamente sem titubear se me for perguntado. E isso é que tem feito toda a diferença na minha jornada.

Sigo fazendo o que devo. Acordando de manhã, cumprindo as tarefas no trabalho e na faculdade, lidando com a depressão e a ansiedade enquanto me espremo para fazer tudo que tenho que fazer. Passo pela vida suportando a ideia de usar meu tempo com obrigações inevitáveis e brigando com as doenças que me atormentam a mente. Mas, neste momento, depois de tudo que passei e tudo que descobri sobre mim mesmo, faço isso sabendo qual é meu sonho, e agindo em favor dele. Fazendo algo ao meu alcance para me aproximar de realizar esse sonho. Por menor que seja a iniciativa, por mais simples e singela que seja a ação, qualquer coisa que faça em direção a realização desse sonho me renova as forças. Fortalece a esperança e clareia a mente. Tudo que estou passando é passageiro, pois tenho um plano particular em andamento, algo muito íntimo, que é o meu real propósito na vida. E tenho feito o que está a meu alcance para realizá-lo. Não importa o quanto minhas rotinas sejam chatas e sem sentido, as tarefas do dia a dia que sou obrigado a cumprir não são minha prioridade. Existe um sonho, um objetivo maior que norteia minhas decisões mais importantes. Por isso nada de desagradável importa realmente, pois tudo passou a ser parte do plano. Tudo está me levando em direção ao meu sonho.

Se sua vida não é o que você gostaria que fosse, sugiro que faça esse exercício, de buscar dentro de si a resposta para a pergunta “qual o meu maior sonho?”. E no mesmo instante que descobrir a resposta, passar a fazer algo para conseguir isso. Algo que pode ser uma ação pequena no meio da semana, alguns minutos do dia. Passar a fazer algo que esteja ao seu alcance e que possa ser feito com frequência, para que possa sentir que, mesmo que pouco, está fazendo algo para realizar o seu maior sonho. Pode ser um segredo seu, algo muito particular. Mas que seja real, que seja a concretização possível do sonho que será o norte da sua vida a partir do momento em que começar a persegui-lo. Que seja pouco, que seja o mínimo no começo, mas que seja real. E que você invista seu tempo e sua energia naquilo, aumentando e melhorando com o tempo. Isso fará toda a diferença nos seus resultados e dará outro gosto à sua vida. Sonhar e perseguir os sonhos traz sentido para uma vida aparentemente sem propósito. É assim que tenho lidado com minha rotina e é isso que recomendo a todos que passam pelo que eu tenho passado.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Pecados capitais


Certa feita ouvi falar sobre uma teoria do senso comum, de que sobre cada pessoa predomina um dos sete pecados capitais. Cada um teria um pecado principal influenciando a vida e as decisões. Alguns seriam atormentados pela gula, tendo dentro de si um apetite insaciável por qualquer coisa que alimente seu desejo. Comida, bebida, poder, dinheiro, sexo… Tudo que possa trazer uma sensação de “quanto mais, melhor” vira um problema quando todas as ações se restringem a ter mais e mais satisfação em consumir. Como um viciado descontrolado diante do objeto de sua dependência, em casos extremos levando a cometer atrocidades para ter cada vez mais, não se importando com o mal que cause a si ou a outras pessoas. Outros seriam regidos pela ira, deixando-se perder em ódio e sede de vingança contra quem o provoque. Desejando mais do que tudo destruir algo, ou alguém, e tomando todas as decisões com foco em conquistar esse objetivo. Outros ainda seriam movidos principalmente pela luxúria, colocando suas paixões e desejos materiais como prioridade da vida, anulando em si tudo que não seja prazer físico e ostentação de bens materiais. E assim por diante, tendo pessoas controladas pela inveja, avareza, preguiça e orgulho. Cada um em seu próprio mundo.

Em princípio parece só mais uma bobagem de crendice popular mas, meditando um pouco sobre esse tema, pode-se perceber de onde surgiu essa superstição. Provavelmente a ideia de agrupar as más tendências humanas em sete conceitos básicos e declará-las como pecados foi o resultado de muita meditação e filosofia. Não vejo porque discordar desses conceitos como sendo impulsos primordiais reais inerentes aos seres humanos e também não discordo que são prejudiciais, precisando ser contidos para não trazer sofrimento e malefícios. Ao mesmo tempo, rapidamente posso pensar em personagens, que conheci pessoalmente ou através de alguma ficção, que sejam manifestações práticas de alguns desses ditos pecados em pessoa. É comum conhecermos pessoas que vivem suas vidas segundo mandam seus instintos mais fortes, em alguns casos sendo esses instintos algumas dessas tendências nomeadas como pecados capitais. Ao longo do tempo, conheci pessoas incrivelmente egoístas, cruéis, fúteis e totalmente inconvenientes com seus desejos. Gente que atrapalha a vida de outras pessoas sem dar a mínima importância para os efeitos das suas ações, simplesmente levando em consideração o seu próprio ponto de vista. Já tive o desprazer de conhecer gente tão invejosa que a convivência obrigatória me desenvolveu doenças psíquicas. Já tive que lidar com gente absolutamente descontrolada sexualmente, que perturbava todos ao redor com sua nojenta necessidade de sedução. Gente capaz de fingir amizade e respeito por interesse, que eram educadas e gentis na frente mas quando virava as costas se transformavam em poços de desprezo e arrogância. Gente que se diverte com o sofrimento alheio, que solta gargalhadas diante do desespero e sofrimento de outros. Por causa do meu trabalho, tive que lidar com toda sorte de vermes que se pode imaginar, a política atrai o que há de pior no mundo, mas também por passar muito tempo com a mente alterada, escolhi mal minhas companhias e aceitei a presença de gente falsa, com discursos artificiais de amizade e carinho. Pessoas que invariavelmente se aproveitaram das minhas boas intenções enquanto fingiam se importar comigo. Tanto na vida profissional quanto na pessoal, tive que conviver com pessoas más que me prejudicaram mais do que eu deveria ter deixado. Algumas dessas relações duraram anos e me custaram muito em termos de saúde mental. E nesses casos, vejo claramente o que queriam dizer as pessoas que inventaram a teoria de sermos mais influenciados por um ou outro pecado capital. Os piores sentimentos e comportamentos humanos podem ser agrupados segundo uma lógica nos sete aspectos elencados biblicamente. E é perfeitamente possível conhecer pessoas que manifestam alguns desses ímpetos com mais intensidade, ao ponto de serem criaturas de caráter maligno, prejudicial à quem está sujeito à sua presença.

Mas não é só nos outros que é possível perceber tendências que possam ser descritas nos sete pecados capitais. Olhando para mim mesmo e analisando diferentes épocas da vida, percebo que eu também fui governado por algumas dessas tendências. Talvez não possa sentenciar um único pecado para toda a vida, talvez no meu caso seja um pecado para cada fase. Posso identificar períodos em que fui governado pela ira, pela gula, luxúria, ou até mesmo fragmentar ainda mais o tempo e identificar a energia dos pecados em decisões isoladas. Em alguns casos sendo avarento, noutros sendo invejoso. Sempre com consequências tristes com o passar do tempo. Ao mesmo tempo em que minha memória rapidamente elege figuras desprezíveis que me prejudicaram movidos por esses impulsos pecaminosos, também trago no coração arrependimentos e mágoas por ter sido eu em diversas ocasiões o autor da injustiça.

Hoje em dia posso dizer que tento ser cuidadoso nas minhas ações, me esforço para não ser cruel com quem quer que seja. Policio minhas decisões e interpretações da vida e do mundo, sempre tentando ficar longe do que julgo ser o mal, o que pode perfeitamente ser enquadrado no que descrevem os sete pecados capitais. É um compromisso que tenho comigo mesmo e com Deus, de andar na linha, fazer o que é certo e nunca ser injusto ou me beneficiar do prejuízo de alguém. Tento não ser invejoso, tento não ser raivoso, tento não ceder aos desejos ao ponto de ser escravo, tento ser alguém decente. Não é um caminho fácil, é preciso esforço para não fazer o mal. Mas apesar de estar muito longe da perfeição, já noto resultados positivos em mim mesmo no que diz respeito ao convívio com as pessoas. Continuo sendo um reles humano, mas me esforço para ser um humano dos bons. Atualmente o pecado que mais se destaca em mim, sem dúvida, é a preguiça. Em parte por causa da depressão, mas não só por isso, preciso travar batalhas diárias para fazer o que devo sem desistir. E mesmo cheio de afazeres, sinto que poderia produzir muito mais se não passasse tanto tempo me entregando ao nada. Talvez nessa fase atual, o pecado capital mais influente em mim seja esse, ou, pelo menos é o que mais se destaca. Perceber isso me ajuda a entender onde devo agir para melhorar. Me faz saber qual o nome do adversário que estou enfrentando e bolar estratégias para derrotá-lo.

Refletir sobre essa teoria me fez pensar em várias coisas que podem vir a ser úteis no entendimento da vida. Me ajuda a ter certeza de que é preciso ficar longe de gente má e, quando for impossível, pelo menos evitar ao máximo que sua influência exerça algum controle. Lembrei de um monte de gente com quem aprendi como não devo ser, exemplos negativos de como é estar perto de alguém ruim. E também percebi em mim mesmo coisas que carrego nas recordações que gostaria de não ter feito, vezes em que gostaria de ter sido uma pessoa diferente. Parâmetros e referências para me basear no que quero ser hoje e no que devo me concentrar para melhorar.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Ocupar o tempo


É muito terapêutico cumprir compromissos. Aderir a iniciativas que demandem trabalho e dedicação, como fazer um curso ou iniciar uma nova atividade regular. Assumir o compromisso de produzir algo num prazo pré estabelecido é algo que faz muita diferença no dia a dia do enfrentamento dos sintomas da depressão. Ocupar-se com algo útil, que desperte o sentimento de estar comprometido com algo, tornam os dias muito mais fáceis de serem vencidos do que simplesmente agir no piloto automático enquanto o tempo passa. Por mais que muitas vezes o trabalho principal ocupe quase o tempo inteiro do nosso dia e não seja uma ocupação na qual tenhamos prazer ou orgulho de realizar, sempre é possível ocupar o pouco tempo que nos resta na vida pessoal com algo que fazemos por gosto. Mesmo que seja um hobby sem nenhuma pretensão. Mesmo que seja apenas um ensaio do que seria um sonho. Essa ocupação do tempo com algo que possamos fazer para nós mesmos pode ser muito mais do que uma bengala para levar os dias, pode ser, em verdade, um motivo para seguir em frente quando as coisas ficam confusas ou escuras demais.

Atualmente me aproximo da metade do curso de Direito e, frequentemente, preciso dedicar o tempo que usaria em meu lazer para produzir textos e trabalhos pedidos pelos professores, além de estudar para passar em provas bem difíceis. Nas últimas duas semanas estive envolvido com a produção de um artigo e a preparação para a apresentação em um seminário em sala de aula. Fiz a pesquisa do tema, elaborei um texto base, depois lapidei até ficar apresentável, inseri as referências e os créditos necessários e enviei. Depois passei uns dias estudando o que tinha escrito e ensaiando a apresentação. No fim correu tudo bem, consegui entregar um artigo decente e fazer uma explanação satisfatória diante da turma. Fiquei muito nervoso nos dias que antecederam a apresentação e principalmente na hora de falar, mas deu tudo certo no final das contas. A satisfação de concluir um trabalho complicado é muito grande, é como tirar um peso das costas. As expectativas de que as coisas fossem bem ocuparam minha mente por dias, dando um bom motivo para cumprir com meus compromissos e forçar um otimismo em horas de maior ansiedade. Sustentaram meu humor com o sentido de dever. Ter essa obrigação me ajudou a passar pelos dias cercados de tarefas que não gosto de fazer, mas que são necessárias. Fazer uma outra graduação foi uma escolha importante nesse sentido, pois tem me dado muito com o que me ocupar. E a sensação de ter algo sério e útil para fazer traz sentido à vida.

Quando estive internado, poucos anos atrás, era incentivado que fizesse atividades em grupo os outros internos. Ofereciam tarefas manuais, como artesanato por exemplo. Passar os dias dentro de uma clínica de repouso pode ser penoso se não houver um sentido na espera, se não tiver uma ocupação para preencher o espaço. Mesmo para mim, que tenho grande habilidade em me entreter sozinho, chega uma hora que simplesmente descansar e ler o dia todo se torna insuportável. Foi quando me me aproximei dos funcionários que cuidavam das tarefas e me ofereci para ajudar em algo. Passei uns dias pintando brinquedos de madeira e, por mais boba que seja essa tarefa, foi o que me animou. Ter algo para fazer, algo lógico para depositar o tempo, faz muita diferença no humor e na percepção do mundo.

Tenho um emprego digno e ordenado. Trabalho basicamente resolvendo problemas diários e lidando com imprevistos. Mas já tem bastante tempo que o ambiente onde desenvolvo minhas funções não me faz bem. Faço o que faço por ser a opção que surgiu na minha vida, não por entusiasmo. É um sentimento de “é o que tem pra janta” que me move todos os dias, enquanto espero ansiosamente por períodos de folga. Gostaria de dedicar as tantas horas do meu dia gastas com burocracia e joguinhos de poder para fazer outras coisas, me sentir mais útil, construir algo real. Queria que meu trabalho principal tivesse um sentido maior, que me fizesse sentir realmente útil. Queria estar construindo algo. Mas, infelizmente, essa não é uma opção no momento. Sou grato pelo que tenho e faço o melhor que posso para retribuir os privilégios que posso usufruir. Sei que muitos gostariam de estar no meu lugar. Eu mesmo já estiver em situações onde o que tenho hoje seria visto como o paraíso. Por isso sigo cumprindo com meu dever, preenchendo meus dias com obrigações que não gosto muito de fazer mas que couberam a mim. Alguém precisa fazer o que eu faço, e nesse momento quem está fazendo sou eu. Baseio minha motivação no senso de dever.

Essa visão pouco romântica e desanimada da realidade às vezes se acumula e forma bolsões de agonia, anseio por mudanças drásticas, vontade de abandonar tudo. Mas sempre resisto e sigo em frente, repetindo para mim mesmo que preciso fazer o que preciso fazer. É o que tenho em mãos, é meu dever. Ao longo dos anos, essa sensação de não estar vivendo a vida que gostaria pesou bastante e acabou contribuindo para piorar o meu quadro depressivo. Tive que aprender a lidar com isso da melhor forma que encontrei, que foi estabelecer tarefas para mim mesmo no tempo que me sobrava. Hoje busco ocupar meu tempo fora do trabalho com tarefas que me façam sentir melhor, que tenham um sentido maior. Por isso faço outra faculdade e por isso me dedico a escrever em um blog com audiência próxima de zero. Ter para fazer algo que faz parte do que eu defini como sendo prioridade, sentir que estou investindo meu tempo em algo superior e não apenas deixando a vida me levar sem escolher nada, me ajuda a valorizar o que tenho e ter esperança em um futuro melhor. Acreditar que um dia as coisas podem ser mais intensas e úteis. Me ajuda a ver o mundo com um sentido diferente de apenas esperar o dia da morte.

Fazer o que é preciso é um ponto importante da vida. É preciso sobreviver, cumprir o básico de obrigações diárias. E geralmente o sustento vem de funções que não escolhemos, apenas aceitamos quando nos foi ofertado. Mas sempre há um tempo sobrando onde podemos dedicar para fazer algo para si, algo cujo pagamento pela conclusão é a própria satisfação de ter feito. E é com isso que tenho buscado preencher o meu tempo além das obrigações: com outras obrigações criadas por mim mesmo. Para sentir que pelo menos uma parte da minha vida é uma escolha. Sentir que sou responsável e posso dedicar meu trabalho, diretamente, para construir algo de valor. Quem sabe, e assim espero, no futuro o que poderá surgir dessa dedicação possa ser o meu trabalho principal, possa ser o meu sustento? Espero do fundo do coração que sim. Mas, se não for, pelo menos tem sido um bom jeito de ocupar o tempo. Tem me sustentado quando os pensamentos de baixa auto estima dominam a mente e me fazem sentir um inútil sem valor. Como uma estrada em que sigo andando sem saber onde estou indo. Não andando para chegar ao final, mas para simplesmente não parar de andar.


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Sobre o Demônio do Meio Dia


Tenho estudado sobre a depressão. Sobre as características e as descobertas feitas pela ciência, sobre as formas mais eficientes de lidar com o chamado “mal do século”, sobre como ajudar as pessoas que convivem comigo a entender o que se passa quando tenho crises. Por indicação de um amigo, há uns dias, chegou até minhas mãos o livro O Demônio do Meio-Dia: Um Atlas da Depressão, escrito por Andrew Solomon. Uma obra fantástica e muito esclarecedora. Ainda não terminei mas, já aprendi tanto que estou recomendando a leitura a todos os amigos que se interessem pelo tema. O autor esmiúça a depressão nos mínimos detalhes, abrangendo desde as questões fisiológicas até as culturais. Listas de medicamentos, tratamentos e seus efeitos, a influência da doença nas decisões, os graus de depressão, os tratamentos alternativos, a forma como a medicina encarou o quadro depressivo ao longo da história, a influência das dificuldades financeiras nos quadros depressivos... Enquanto estou lendo, tenho a impressão de estar fazendo um curso sobre o assunto, no qual o professor se esforça para usar um linguajar o mais simples quanto possível, mesmo quando aborda aspectos clínicos complexos. De longe, essa é a melhor e mais acessível fonte de conhecimento sobre o assunto que já encontrei. E recomendo fortemente a leitura a todos que se interessam.

Entender o que acontece comigo, assim como buscar autoconhecimento, tem sido, provavelmente, o remédio mais eficiente de todos no que diz respeito a me sentir melhor comigo mesmo. Considero tanto a medicação quanto as sessões de terapia como as principais ferramentas no processo de evolução do quadro em que me encontrava quatro anos atrás, quando tive o acidente que quase me tirou a vida. Além das paranóias e traumas que tomavam quase a totalidade da minha mente na época, ainda estava cheio de frustrações fantasmagóricas e sequelas psicológicas de acontecimentos antigos. Minha visão de mim mesmo estava profundamente distorcida, o que me levava a ver somente os pontos negativos da vida, oscilando entre a raiva de mim mesmo e a autopiedade. O quadro era bastante dramático e, hoje eu sei, resultado de um longo caminho no qual me intoxiquei de sentimentos e memórias corrompidas ao longo dos anos até ficar tão encharcado de veneno que não conseguia sequer enxergar o mundo real direito. No estado em que me encontrava, poderia facilmente ficar preso para sempre em um círculo vicioso de auto destruição e decadência. Mas o que me aconteceu foi outra coisa. Nessa realidade eu reagi bem ao tratamento e pude aproveitar as oportunidades que a vida me ofereceu para voltar a ativa e manter as vitórias profissionais que com tanto sacrifício havia conquistado. E a partir dessa manutenção das estruturas pude iniciar um novo caminho, começando outra graduação, o que tem me custado bastante esforço e aumentado minha fé em um futuro melhor. Ou seja, não apenas melhorei dos sintomas, como toquei minha vida em frente e até mesmo subi alguns degraus da escada. Um resultado melhor do que o esperado.

Além do acompanhamento médico e consequente apoio químico, foi preciso muita força de vontade para que isso acontecesse como aconteceu. Hoje me sinto no meio de um caminho bom, sinto que cumpro com minhas obrigações e invisto em um futuro melhor para mim e para as pessoas que amo. Era tudo que eu precisava sentir para sair daquele poço. Foi preciso querer fazer as coisas certas com força o suficiente para não ficar apenas na vontade, mas para trazer ao mundo real as ações necessárias e dar os passos certos na direção certa. E a origem da motivação necessária veio do olhar sincero para dentro, das forças que encontrei através da análise e estudo de quem eu sou e como vejo as coisas que me acontecem. Foi graças ao esforço pelo autoconhecimento que tive forças para agir segundo o que achava certo. Foi através das ferramentas oferecidas pela psicologia, que minha terapeuta domina, que pude me ver como realmente sou e fazer escolhas diferentes do que tinha feito no passado. Foi assim que descobri o caminho. Fazer terapia com um profissional qualificado fez mais efeito do que todos os remédios e substâncias que já usei para tentar me sentir melhor ao longo de toda a vida. A bem da verdade, os problemas continuam lá, o mundo em que vivo ainda é o mesmo. Mas eu estou diferente, estou sóbrio, e tenho outras formas de lidar com as frustrações e desafios diários. Buscar por mim mesmo, viajar para dentro da minha mente, tem sido o principal remédio na minha recuperação. E somado a isso, sem dúvida, como regra básica da arte da guerra, é preciso conhecer o adversário. Saber lidar com seus avanços e reconhecer suas fraquezas. Por isso, ao mesmo tempo que me empenho tanto em me conhecer melhor, procuro ouvir histórias de pessoas que passam pelo mesmo que eu, busco referências, tento aprender com as experiências dos outros. Além de ler, assistir documentários e entrevistas com especialistas sobre o assunto sempre que posso. Para, cada vez mais, saber diferenciar o que realmente vem de mim do que vem da doença. E assim fazer escolhas melhores, sempre o mais de acordo com as minhas necessidades reais.

Fazendo um pequeno spoiler, Solomon diz no livro que escolheu o nome “Demônio do Meio Dia” para batizar sua obra por conta do que diz o Salmo 91, da Bíblia: Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia. Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia (Salmos 91:5,6). Segundo sua interpretação, a “mortandade que assola ao meio dia” é uma metáfora para o quadro patológico hoje conhecido como depressão. O que, pra mim, é bem fácil de observar como sendo coerente. A depressão é um inimigo a ser enfrentado. Um inimigo letal, que pode levar à morte o doente e, antes disso, destruir completamente sua vida fazendo com que tome caminhos terríveis, faça escolhas desastrosas e afunde em escuridão. Os efeitos psicológicos da depressão podem ser muito severos, uma vida totalmente equilibrada e ordenada pode vir abaixo, as melhores situações podem virar o inferno. O gosto pela vida pode desaparecer. Disso muita gente sabe. Mas o que não vejo muito ser comentado são os efeitos físicos da depressão. Os sintomas que chegam à mente através dos sentidos. Para quem não conhece os detalhes, é difícil explicar como se pode sentir um desânimo tão grande que nem para sair da cama para comer ou tomar banho, quanto mais trabalhar, a pessoa tem forças. Como podemos sentir febre, ter cãibras terríveis, desarranjos intestinais, como o estômago pode ficar tão sensível que o simples ato de escovar os dentes, ou ter um pensamento súbito, provocam vômitos totalmente aleatórios? Isso tudo sem estar envenenado ou contaminado por nenhum patógeno. Como uma tristeza tão forte ao ponto de causar dor física pode existir sem um motivo claro? Aliás, falando em dor, como explicar as dores pelo corpo todo, as irritantes e persistentes dores de cabeça, o desconforto extremo ao ficar em qualquer posição? A hipersensibilidade à luz, ao som, os surtos nervosos sem motivo, as crises de choro, a falta de apetite ou a fome desenfreada? E a insônia, os pesadelos constantes, a paralisia do sono? Todos esses sintomas, entre muitos outros, podem aparecer em pacientes depressivos e na maioria das vezes não se faz a conexão dos sintomas com a depressão. Procura-se por outras doenças, outras razões que não o desequilíbrio causado pela própria depressão. Isso tudo para ouvir em diversas ocasiões que é falta de força de vontade ou “frescura”, por ninguém perceber que tudo de ruim está conectado a uma doença real e séria. Depois de muito estudar, acabei descobrindo que não apenas o desânimo brutal que me derruba e a tristeza desmedida que sinto são sintomas da depressão, mas também um conjunto de inúmeras outras sensações desagradáveis que poderiam perfeitamente compor uma doença física não psíquica. Tudo acaba sendo interligado, tudo tem uma origem comum. A fraqueza resultante de tanto estresse emocional, as dores somatizadas, o mal funcionamento de órgãos. Tudo pode ser influenciado por um cérebro depressivo. Daí a necessidade de ter acompanhamento médico e usar medicamentos que ajudem a enfrentar os sintomas. Essa é uma realidade que era totalmente desconhecida para mim até alguns anos atrás. Nunca tinha parado para estudar a depressão como forma de autoconhecimento. Hoje, consciente de tantas coisas que não sabia, posso avaliar muito melhor meu quadro e agir de forma pragmática em relação aos sintomas, antes que tragam consequências mais graves. Essa maturidade traz uma outra perspectiva à situação, faz toda a diferença no enfrentamento do problema. Aceitar a depressão como uma doença crônica com sintomas variados foi um passo importante do meu despertar. Entender que as dores, as gripes fora de época, as panes fisiológicas em geral tinham conexão com a situação mental, que deveria tratar tudo como um problema só e reconhecer que sozinho não tinha forças para lidar com tudo aquilo. Perceber a mim mesmo como portador de uma condição verdadeiramente debilitante e buscar recursos para reduzir o impacto dos sintomas. Uma abordagem muito mais realista e global do problema. Somente o conhecimento foi capaz de me oferecer essa opção. Por isso valorizo tanto os estudos como parte do tratamento.

Recomendo a leitura do livro de Andrew Solomon já de início para quem quer começar a se informar sobre o assunto. Será como participar de um grande seminário onde praticamente tudo que se sabe sobre a depressão é abordado. E, somado a isso, sugiro que o tempo gasto na internet seja em parte dedicado à busca por informações das mais variadas fontes. Ler e assistir tudo o que encontrar. Essa prática em conjunto com os exercícios eficientes de autoconhecimento farão uma diferença enorme na vida de quem sofre desse terrível mal. Mesmo com um processo lento se conhecer melhor e conhecer bem o adversário serão armas importantes nas batalhas diárias que se seguirão ao longo de toda a vida.



quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Passeio no cemitério

A morte é, desde sempre, o mais intrigante de todos os mistérios. Por que nós, seres humanos, dotados de autoconsciência e com potencial criativo tão ilimitado, somos condenados a morrer? O que falta para nos desgarrarmos dessa equidade biológica? O que acontece com as consciências abstratas das pessoas que morrem? Aliás, falando em consciência, é uma verdade bastante inconveniente a de que a ciência humana mais avançada de todos os tempos ainda não tenha nos explicado o que é e, sequer, onde exatamente ocorre o fenômeno da consciência. E muito menos o que acontece com ela quando o corpo perde a vida. Mesmo com todo o conhecimento acumulado que temos, com todos os métodos de pesquisa e recursos tecnológicos, esse mistério primordial ainda persiste e intriga. Pra mim, a morte inspira respeito e autoridade. Sinto-a como um mistério intocável, uma sombra que se estica por todo o universo. Algo para se falar baixo e com calma quando se aborda, sem tentar fazer graça ou ressignificar. Algo constante e comum a tudo e a todos, mas que deve ser tratado como extraordinário e único. Há algo sagrado na morte, mesmo quando tratamos puramente da morte biológica. Com a proximidade do dia 2 de novembro, o dia reservado à lembrança dos finados, algumas memórias surgem.

Acredito que a visão que tenho sobre esse tema surgiu na infância. Minha família tinha o hábito de ir ao cemitério em datas especiais. Lembro de diversos momentos em que andei sozinho e explorei os corredores entre os túmulos no cemitério São Miguel e Almas, em Porto Alegre. Um lugar imenso, terreno fértil para a grande curiosidade com que nasci. Lembro de andar por muito tempo dentro do cemitério, explorar o local como se quisesse conhecer toda sua extensão. Provavelmente nunca cheguei nem perto disso mas, na minha visão de criança, eu sentia que podia conhecer tudo. Olhava os túmulos, mirava as fotografias, nomes e datas. Ficava impressionado com as estátuas de bronze, de concreto, de mármore, muitas imagens de anjos e da Virgem Maria. Bustos, cruzes, imagens de corpo inteiro de pessoas em tamanho real. Imagens muito marcantes para uma mente tão jovem. Quem nos levava ao cemitério era minha mãe. Anualmente íamos prestar respeito aos entes queridos falecidos, que, no caso da minha mãe, contava com a memória de um irmão e de um filho. Num dos recordos mais presentes que tenho, eu devia ter por volta de dez anos de idade. Lembro de irmos de ônibus até Porto Alegre e descermos numa rua asfaltada, em um dia ensolarado e quente. Passarmos andando entre muitos vendedores de flores nas calçadas abarrotadas de pessoas e subirmos um morro até a entrada do cemitério. Um enorme portão de ferro por onde um grande fluxo de pessoas lentamente adentrava o local. Eu andava rápido, cuidando para não perder de vista minha mãe, que estava de mãos dadas com meu irmão mais novo. Logo na entrada passamos por uma imagem imensa, com alguns metros de altura e de extensão, feita de bronze. Uma estátua da Virgem com dezenas de anjos com aparência infantil segurando-se no tecido do seu longo vestido. Lembro de ficar meio hipnotizado pelo esplendor da estátua, que era banhada pela abundante luz do sol. Magnífica e um tanto intimidadora. Avançamos, passando por diversas outras estátuas que decoravam túmulos luxuosos, construções com mármore e granito, mausoléus de famílias que pareciam pequenas casas, onde eu achava estranho ver “uma casinha para quem está morto”. Seguíamos pelo caminho até chegar numa escadaria que nos levava ao prédio onde ficam as gavetas com sepulcros organizados em paredes, como um grande condomínio mortuário. Era ali que minha família possuía um jazigo. Então andávamos pelos corredores do gigantesco prédio, subíamos e descíamos escadas por longos minutos. O chão era de lajotas e, conforme chegávamos mais próximo do nosso destino, o movimento de pessoas ao nosso redor era cada vez menor. Cada grupo de pessoas ia achando os seus entes queridos sepultados e ficando para trás, enquanto nós continuávamos seguindo até chegar na gaveta da nossa família. Quando chegávamos na parede certa, rapidamente procurávamos nossos parentes pelo nome inscrito em relevo na pedra que servia de porta. Então minha mãe limpava a frente do túmulo e colocava flores. Meu irmão e eu olhávamos atentamente enquanto ela trabalhava. Depois de arrumar, ela olhava para a imagem formada com os nomes dos nossos parentes falecidos queridos e ficava brevemente contemplando em silêncio. Nesses momentos eu costumava me afastar dela e sair andando sozinho pelos corredores. Olhando por sobre as muretas que delimitavam os andares. No final de um dos corredores ficava a parede de trás do prédio das gavetas, devíamos estar no quarto ou quinto andar, de onde se podia ver por sobre um muro, cerca de vinte metros abaixo, um enorme terreno com centenas de cruzes brancas fincadas no topo de morros de terra. Certa vez minha mãe me disse que ali eram enterrados os indigentes, moradores de rua, pessoas sem família que eram sepultados em covas estreitas e alinhadas. Lembro de que em uma daquelas covas, numa das vezes em que fui lá olhar de cima do prédio, havia uma coroa de flores jogada no chão, sobre uma das cruzes que despontava no meio do círculo floral. Aquilo despertou minha curiosidade, me perguntei como a pessoa que colocou aquele arranjo sabia que o corpo do seu ente querido estava realmente ali, sendo que todos os túmulos eram iguais e aparentemente não havia identificação. Pelo menos não como nos sepulcros do prédio onde eu estava ou no resto do cemitério por onde andei.

Eu gostava de andar pelos corredores, galerias, observar as fotos e ler os epitáfios, calcular a idade das pessoas subtraindo a data da morte da data de nascimento. Jovens, idosos, homens, mulheres… Todo tipo de gente que, geralmente, eu estava acostumado a ver viva, naquelas imagens estava morta. O que me dava uma sensação estranha. Uma vez, em um dos passeios, eu encontrei numa das paredes o túmulo de uma criança. Era possível saber que era criança pelas datas estampadas e pela foto em preto em branco que decorava a pedra. O que chamava mais a atenção era que o rosto da criança era deformado. A boca e o nariz eram unidos em uma cavidade só, no meio da face. Fiquei bastante perturbado com aquela imagem, pensando no quanto deve ter sido difícil ser aquela criança, e no quanto a família deve ter sofrido. Foi uma das primeiras vezes que vi a imagem de uma pessoa deformada.

O prédio das gavetas era aberto no centro, como um imenso poço de luz que abrigava um jardim no andar térreo. Do alto dos andares superiores podia-se ver o movimento das pessoas ao redor do jardim. Todos os corredores eram cheios de gente. Eu ficava olhando as pessoas conversarem umas com as outras, limpando e decorando os túmulos como minha mãe fazia, outras em silêncio ou chorando. Ninguém estava ali por diversão ou para passar o tempo. Todos passavam uma sensação de estar cumprindo um compromisso. A tristeza solene no ar dava um ar de profundo respeito a tudo e a todos. Não havia nada engraçado e nem leve, era tudo cinza. Tudo denso. As pessoas falavam baixo, o cheiro de flores e velas queimadas era enjoativo, mas ninguém se importava. Nem eu. Fui criado em uma família católica onde me ensinaram a respeitar lugares e objetos por serem sagrados. Quando eu ia a uma igreja tomava cuidado até com a forma como eu olhava para os objetos, e principalmente com o que eu falava. O respeito era demonstrado com zelo e seriedade. Essa sensação que as igrejas e locais sacros me despertavam também era presente no cemitério. Havia religiosidade e espiritualidade ali. As pessoas estavam sofrendo e todos respeitavam o espaço de todos.

Depois de passear eu voltava para onde minha mãe estava. Ás vezes ela estava conversando com alguma estranha, encontrava alguém conhecido ou uma das minhas tias que acabavam indo ao cemitério no mesmo dia. Após prestar as homenagens ao nossos parentes, nós saíamos andando pelo cemitério em direção à rua, para irmos embora. Não tenho certeza se fazíamos o mesmo caminho para voltar ou se íamos por outro lado. Mas lembro de ficar observando atentamente tudo novamente. Admirado com as estátuas enquanto a quantidade de pessoas ao nosso redor ia aumentando, até chegarmos novamente no grande portão e sairmos.

Em Porto Alegre existem vários cemitérios um ao lado do outro, alguns de diferentes religiões. Numa das vezes em que nos dirigíamos ao ponto de ônibus para ir embora, fizemos um outro caminho e passamos pelo portão de um cemitério que ficava próximo ao que tínhamos ido, no qual foram depositados no chão uma grande quantidade de objetos de cunho ritualístico. Uma tábua com pregos cravados em forma de pentagrama no qual haviam grudado um pedaço de carne que parecia ser o fígado de um animal, um objeto grande feito de cera com a forma de uma cabeça humana, cruzes, facas, velas, taças, muita comida e garrafas de bebida. Alguém parecia ter tido muito trabalho ali, em colocar todos aqueles objetos organizados de forma tão assustadora, com intenções claramente místicas. Fiquei muito impressionado com aquela visão e diversas vezes relatei o que vi para amigos em conversas sobre coisas assustadoras. Nesse dia uma tia por quem nutro imenso carinho e admiração nos acompanhava na hora de ir embora. Talvez tenha nos encontrado no cemitério e vindo embora junto, já que morávamos na mesma cidade. Lembro dela nos dizendo para não tocar em nada e não ficar olhando, chamou aquela instalação de trabalho, “isso é um trabalho” disse. “Não mexam”. A prudência dela fez com que nos desse aquele aviso mas, a bem da verdade, eu estava tão impressionado e assustado que jamais chegaria perto de qualquer um daqueles objetos.

O cemitério era um local misterioso demais para mim. Um lugar inspirador de grande reflexão e cuidado. Das lembranças que mantenho da infância, essas são sem sombra de dúvida algumas das mais importantes. As idas ao cemitério eram um passeio não divertido na minha infância, uma obrigação. E sempre era um evento marcante. As imagens dos túmulos, as flores brancas e amarelas, o aglomerado de pessoas, as fotos nas lápides fazem hoje parte da minha paisagem interior. Compõe um importante aspecto da minha mitologia pessoal. Apesar de não frequentar muitos cemitérios na vida adulta, não mantenho viva essa tradição, a presença naquele local durante a primeira etapa da vida criou uma permanente sensação de seriedade e respeito pelos ritos fúnebres, pela morte e pela dor dos que ficam. Sentimentos profundamente enraizados no senso religioso e espiritual que norteia a minha visão de mundo.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

O Coringa e eu


No último final de semana assisti ao filme Coringa (2019), que conta com a brilhante atuação de Joaquin Phoenix no papel principal. Digo sem medo de cometer qualquer injustiça que foi o melhor filme que assisti esse ano e provavelmente um dos melhores que já vi em toda a vida. Entrou instantaneamente na lista dos meus filmes favoritos. Sei que esse não é um blog para falar sobre cinema, mas a experiência que tive com essa obra me obriga a tecer alguns comentários.

Tenho uma história relativamente íntima com o personagem Coringa. Me identifico com muito do que compõe o vilão, sobretudo com a forma caótica de lidar com os próprios desejos. Em diversas ocasiões utilizei imagens de palhaço para me referir a mim mesmo. Muito além do estereótipo de alguém que usa a personalidade animada e divertida para esconder sentimentos, como na famosa piada do Pagliacci que vemos em Watchmen (o filme de 2009), também fiz uso dessa alegorias para passar a mensagem aos stalkers de que sou capaz de fazer coisas impensáveis para pessoas comuns.

No filme de 2019, Arthur Fleck é um homem que sofre com doença mental e uma vida de dificuldades e injustiças. Sonha em trabalhar com arte mas nunca consegue sair da rotina fria de tormentos e obrigações que compõem seus dias. Devido a uma série de fatores combinados, vemos o personagem pouco a pouco perder a sanidade e manifestar uma atitude cada vez mais sarcástica e cruel, até ter sua personalidade tão modificada que é necessário um outro nome para identificá-lo. O Coringa, como alter ego, é construído gradativamente enquanto Arthur lida com as misérias que o assolam e o crescente ódio pela frustração constante que é a sua vida. O vilão nasce quando Arthur se deixa levar pela onda e permite que o palhaço assuma o controle da situação, como resultado de muita pressão psicológica sobre uma mente que já não era normal.

Respeitadas as devidas proporções, eu também já permiti que o palhaço louco dentro de mim assumisse o controle das minhas decisões. Passei alguns anos agindo com tanta audácia e ousadia que as pessoas com quem convivia ficavam chocadas. Tanto quem se importava comigo, que se preocupava com o ritmo alucinante das minhas escolhas, quanto gente com quem eu me relacionava profissionalmente por obrigação, que testemunhou atitudes que mesmo com o passar dos anos ainda não fazem sentido. Houve fases em que simplesmente absorvia os acontecimentos ruins com um sentimento de que um dia a situação viraria e eu estaria em outra posição, e ria por antecipação do que faria quando isso acontecesse. Fases onde tinha uma atuação socialmente aceitável no mundo visível, e outra atitude totalmente diferente na vida pessoal, alimentando hábitos e relações que seriam consideradas absurdas e incompatíveis com a superfície. E, por fim, uma fase onde o palhaço assumiu todo o controle e eu agi de forma caótica e não planejada, somente querendo ver o circo pegar fogo. Fase essa que me levou até o extremo de surtar e perder totalmente o contato com a realidade.

O Coringa é muito importante pra mim porque ilustra uma parte do que eu sou. Sou uma manifestação, hoje contida, deste espírito do caos que se diverte deslizando pelos acontecimentos, subvertendo a ordem por onde passa e influenciando tudo ao redor para o colapso. Quando busco nomear as personas que compõe a minha personalidade, a mais poderosa, e perigosa, de todas é o Palhaço. Com ele não há limites, nem critérios, nem qualquer tipo de freio. É a forma mais livre de mim mesmo que posso manifestar.

Não cheguei ao ponto de partir para ações violentas, como o Coringa comumente faz, mas cheguei bem perto. O vento que permitia me levar rumava irreversivelmente para esse lado. O que estancou os acontecimentos foi o surto, no qual quebrei e precisei me reconstruir. Hoje, o Palhaço, embora ainda viva em meu interior, não tem tanta influência nas minhas decisões e atitudes. Lidar com o ímpeto dele é uma tarefa particularmente difícil mas, tenho conseguido com um relativo sucesso. Tudo está em ordem e espero que continue assim. Não nutro grandes arrependimentos ou qualquer tipo de temor pela persona do Palhaço, mas já é um ponto pacífico que o melhor para mim é silenciar os impulsos que vem dali e buscar estabelecer alguma ordem, já que quero satisfazer mais meus desejos de ter.

O filme me impactou com muita força, pude ver o caminho que estava fazendo tempos atrás, rumo à total insanidade violenta. Claro que eu parei antes do que representa o início para o Coringa do filme, mas a identificação com o trajeto que o personagem faz foi inevitável. A loucura é uma porta larga, para passar por ela basta não se esforçar, é só se deixar levar. Fazer o que for surgindo sem calcular nada, sem tentar controlar nada. O mundo em si é enlouquecedor o suficiente para provocar a quebra de qualquer um que ultrapasse os limites.

A vida que levo hoje, regrada, organizada, contida, é muito mais segura e parece ter um destino muito melhor no longo prazo do que a que levava antes. A presença do Coringa continua forte em mim, mas não deixo que ele fique no comando. Nos entendemos bem em nossos diálogos internos. Ele mora do outro lado da rua, no lado oposto onde moram a depressão e a ansiedade. Todas as personas e doenças são vizinhas num mesmo bairro dentro da minha mente e me esforço para ter uma relação o mais saudável possível com todos os habitantes. A origem do Coringa como sendo um desgraçado com problemas mentais frustrado por não suportar a própria vida e não conseguir viver do que gostaria de fazer, combina muito comigo. A forma como ele raciocina e as coisas que é capaz de fazer, também combinam. Mas não sou ele. Hoje sei disso. E sobretudo sei que é necessário manter uma distância segura de tudo que ele toca.

No filme, Arthur sucumbe ao seu próprio palhaço e se torna um dos vilões mais terríveis que já foram imaginados. Vira o próprio caos a serviço do mal. Talvez a história fosse diferente se ele tivesse ajuda de pessoas que se importassem, se tivesse um tratamento adequado e se sua raiva e potenciais fossem direcionados para algo útil. A história da origem do Coringa fala sobre desamparo, sobre solidão, sobre perder a fé. E a minha história não é assim. Somos muito diferentes, apesar de termos compartilhado momentos importantes. Aceitar ajuda e reconhecer a importância das pessoas com quem me importo fizeram toda a diferença na escalada da minha evolução. Foi graças aos cuidados com que fui agraciado que o meu destino mudou e hoje não corro mais o risco de terminar como o Coringa terminaria aqui no mundo real. Sim, porque aqui é diferente da fantasia onde o personagem vive. Aqui as consequências são outras e o tempo é outro. Uma pessoa real que tente ser o que o Coringa é não terá um bom fim, não conquistará grandes coisas e nem superará desafios. O mundo real é muito pior do que o da fantasia e engole facilmente quem não joga o jogo nas regras.

Uma experiência intensa e perturbadora, assim resumo o que senti assistindo ao filme. Senti medo do personagem, coisa rara de me acontecer. Senti que não queria conhecer ninguém como aquele homem miserável e cruel que via na tela. Por mais que tenha sentido uma certa piedade do sofrimento retratado, nada justifica a maldade desproporcional nas atitudes dele. Me assustou o realismo conseguido pelo ator na interpretação e a figura toda, tudo que foi mostrado. Me assustou por ver uma parte escura de mim mesmo ali retratada. Saí do cinema com a cabeça fervendo e, mesmo hoje, passados alguns dias, ainda sinto a perturbação latejando nos corredores da minha mente.

Se existe uma mensagem possível nessa experiência, é a de que a arte pode mexer com as pessoas e é preciso saber colocar cada coisa no seu devido lugar. Por mais que um personagem ou uma história possam ilustrar algo com fidelidade, é preciso separar o que é real do imaginário. Sempre querendo o melhor para si, nunca se deixando levar para lugares desagradáveis ou perigosos. Fazer o certo é uma escolha, e geralmente não é a escolha mais fácil, mas é a única que comprovadamente vale a pena.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

De pé


Depois de conseguir me acalmar e voltar a ver alguma coisa boa no mundo ao meu redor, comecei a questionar o quanto do que senti de ruim nos últimos dias era real. Há uma semana atrás para onde eu olhasse só enxergava motivos para ficar triste ou irritado. Tudo parecia envolto numa grande nuvem de fumaça escura, sem brilho, sem nada de positivo. E tudo ficava ainda pior por conta das falhas que cometi com meus compromissos, deixando de fazer coisas que deveria fazer e me sentindo muito culpado por isso. Com um desespero crescente e a sensação de que tudo que construí desabaria sobre mim, por conta dos erros.

Mas o tempo passou e a química no meu corpo se alterou de uma forma que aos poucos minha percepção passou a ser mais neutra e menos dramática, avaliando o cenário de forma mais ampla e levando em consideração muitos acertos entre minhas atitudes, acertos que estavam sendo ignorados pela onda de tristeza e estresse. Precisei de momentos sozinho, de terapia e uma boa quantidade de sono para modificar as coisas internamente. Adiei alguns compromissos da faculdade e aproveitei o tempo para ficar comigo mesmo e derrotar um a um os pensamentos ruins que pipocavam na minha cabeça. Não fui ao médico, como tinha aconselhado minha terapeuta. Sei que ela tem razão em querer averiguar a medicação que tomo, mas ainda me sinto confortável com o que estou tomando. Foi uma dura e longa batalha encontrar os medicamentos certos, a dose certa e o horário certo. E agora que encontrei fica difícil decidir voltar à velha busca pelo apoio químico adequado. Mas sei que é questão de tempo até meu corpo se acostumar e as substâncias não fazerem mais o mesmo efeito. Planejo resolver isso com o psiquiatra em breve, mas agora não. No momento decidi seguir com as mesmas bengalas e lutar contra os sintomas da depressão com minhas próprias táticas. Dormindo sempre que possível, tomando longos banhos quentes, lendo coisas que me façam ter bons pensamentos e meditando sempre que lembro. Depois de uns dias bem pesados em que achei que tudo estava vindo abaixo eu consegui voltar a ver luz no mundo ao meu redor. Estou bem melhor do que estava. Já voltei às atividades normais, voltei a produzir o que preciso para meu trabalho e para a faculdade. A sensação de satisfação por cumprir compromissos é muito calmante, me faz desviar os pensamentos de que sou um inútil que só faz burrada. Melhora até mesmo minha auto-estima. O jogo segue e eu continuo jogando.

Estou melhor essa semana, quase ao ponto de querer fazer planos para as férias de janeiro. Nunca planejei férias, sempre improvisei. Saía para ficar uns dias sem ir ao trabalho sem saber o que faria, nem para onde iria, nem quem visitaria. Com o passar dos dias as ideias iam surgindo e eu buscava realizar um ou outro desejo. Penso que talvez devesse tentar algo diferente esse ano, ou ano que vem. Planejar antecipadamente uma viagem ou algo do tipo me daria folga para elaborar um roteiro mais complexo, com atividades mais intensas do que simples visitas rápidas a alguns amigos mais próximos. Não sei ao certo se vou fazer isso ou não, mas foi algo que me ocorreu. As metas que tinha para este ano não tem mais como ser totalmente cumpridas. Negligenciei alguns aspectos da vida e não foi possível fazer tudo o que gostaria de ter feito. De repente começar o ano que vem fazendo algo diferente seja útil para motivar o cumprimento de metas futuras. Vai saber...

Viver com depressão é como andar longas distâncias em terreno irregular. Algumas vezes haverá motivação suficiente para seguir em frente a passo largo com bom humor e desejo firme de concluir o trajeto. Outras o caminho ficará íngreme e exigirá um esforço maior para continuar andando. Pensamentos de desistência e questionamentos de porque continuar podem surgir a qualquer momento e será preciso lidar com eles. Muitas vezes o caminho deixará de fazer sentido, as forças sumirão e será preciso parar para descansar. E nesses momentos será preciso muita força de vontade para voltar a andar e resistir a tentação de ficar onde está para sempre. Eu encaro minha relação com a doença como uma grande e infinita jornada na qual eu decidi nunca parar de andar. Não foi sempre assim, já me deixei guiar pela depressão e fui parar em lugares muito ruins, já me abati e fiquei estagnado, preso no lodo, por longos períodos. Hoje, depois de tudo que me aconteceu, optei por as vezes diminuir o ritmo dos passos, andar mais devagar, mas nunca parar de andar. Na semana passada estive à beira de uma crise que teria me derrubado se não fosse quem sou hoje. Desta vez, ao invés de me abater e deixar tudo afundar, eu segui preso aos compromissos, fazendo o que devia fazer mesmo que mecanicamente. Adiei algumas coisas, sofri por ver o tempo desperdiçado, mas foi útil. A redução no ritmo possibilitou q ue continuasse andando, fazendo as coisas que devo fazer. E quando vi, a percepção começou a mudar e pouco a pouco os sintomas foram aliviando, até ficar quase normal. Que é como estou hoje. Já acelerei os passos novamente, embora siga num ritmo mais lento que o comum, e me sinto melhor a cada tarefa que concluo. Até já pensando em como serão as férias de janeiro.

Não sei o quanto do senti semana passada era real, tinha fundamento mesmo, e o quanto era coisa da minha cabeça. Na hora que sinto, tudo é muito real, tangível, incontestável. Agora, já relativamente recuperado do tombo, questiono se era tudo verdade. Talvez o problema esteja dentro da minha cabeça, e não no mundo externo. Talvez. É bem provável. E é muito cansativo lutar contra esses inimigos imaginários. Muito cansativo. Mas o que importa no momento é que passou, e estou melhor. Já consigo raciocinar direito, diferenciar o que é real do que não é, e estou disposto a seguir na batalha. Sem parar de andar, sem me deixar abater, sem desistir. E que venham logo as férias, porque estou precisando...

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Batalha


Essa semana tem sido bem complicada. Percebi no último sábado que um desânimo muito grande vinha crescendo em meu interior. Uma vontade de não ter vontades, associada a uma tristeza enorme. Acabei deixando para depois o que tinha planejado fazer naquele dia e repeti a decisão no domingo, passando o final de semana todo deitado sem fazer nada. Geralmente existe um limite para se ficar deitado e não fazer nada, chega uma hora que a pessoa já não aguenta mais ficar na cama e simplesmente precisa se levantar e fazer algo. Mas esse limite não existe quando estou assim. Fico apenas deitado sem reação nenhuma enquanto as horas passam. O desânimo aumenta ao ponto de não conseguir sair da cama nem para saciar a fome. É como se toda a vontade que existe em mim deixasse o meu corpo e sobrasse só uma carcaça inútil cheia de pensamentos doentios. Sim, porque apesar de estar incapacitado por fora, a mente funciona a pleno vapor, em um turbilhão de pensamentos de culpa e cobranças. Eu consigo perceber o mal que ficar parado está me fazendo, cobro atitudes de mim mesmo, me xingo, fico triste e desesperado com o que será de mim dali para frente. Mas meu corpo não reage, simplesmente não consigo reunir forças para levantar e fazer o que é preciso.

A situação piorou bastante no domingo, quando comecei a ter acessos de choro. Estava cansado de ficar ali naquela condição mas não sabia o que fazer. Os pensamentos passaram a ser bem catastróficos e até mesmo as coisas que estavam em bom funcionamento passaram a ser um problema. Me perdia na ideia de que as coisas que tinha feito durante a semana dariam errado no dia seguinte e eu teria que enfrentar uma vergonha imensa por ter falhado. Olhava para meu corpo, deitado sobre a roupa de cama suada, e pensava o quanto imprestável, burro e fraco eu era. Havia perdido totalmente o controle dos pensamentos e estava preso em um círculo autodepreciativo. Dormi e acordei várias vezes durante o dia, não fiz nada do que tinha planejado fazer.

Na segunda feira acordei em cima da hora para ir trabalhar, olhei para o relógio e senti a onda de pensamentos vir com uma violência gigantesca. Esmagando minha percepção. Sentia dor nos músculos faciais que são usados para chorar, e uma contratura dolorosa na garganta, característica de choro engasgado. Precisava ir ao banheiro mas não conseguia mobilizar forças para isso. Estava debilitado, enfraquecido, não conseguia sair da cama nem tomar nenhuma atitude. Com esforço, peguei o celular e enviei uma mensagem ao trabalho, dizendo que estava doente e que chegaria mais tarde. Mas acabei ficando imóvel e sentindo aquela angústia até muito tarde naquele dia. Perdendo o dia de trabalho. Não é a primeira vez que isso acontece, embora fizesse bastante tempo desde o último episódio. Passei o dia deitado sendo carregado por uma enxurrada de pensamentos odiosos, no qual já contava como certa a demissão e perda de tudo que conquistei profissionalmente ao longo de anos. Minha cabeça doía e sentia um misto de medo, raiva e tristeza. Estava desesperado. A doença havia voltado e eu perderia tudo, deixaria todos desapontados, decepcionaria as pessoas que confiam em mim. A vida novamente seria destruída e eu ficaria a mercê da ajuda de bons corações.

Então no fim da tarde a coisa toda deu uma reduzida na pressão. Inexplicavelmente comecei a me acalmar e consegui levantar. Fui até o banheiro, finalmente, e tomei um bom banho depois de dois dias deitado. Higiene pessoal sempre traz um bem estar importante, e com o banho consegui me animar e fazer uma refeição. Resolvi que iria para aula, apesar de tudo que tinha acontecido, e que daria o meu melhor para aprender algo naquele dia. E foi o que eu fiz. Não posso dizer que rendeu muito, mas foi bom sair de casa.

O mal estar ainda persiste enquanto escrevo esse texto, mas tenho conseguido cumprir com meus compromissos. Não faltei mais nada, nem cheguei atrasado. Não deixei de fazer nada que era obrigado a fazer. Apesar de estar sentindo um vazio enorme no peito e uma vontade constante de deitar e dormir em qualquer lugar que esteja. Tenho falado pouco, só o necessário, e me isolado o máximo possível do contato com outras pessoas. O silêncio parece ser um grande aliado. Minha psicóloga recomendou que procurasse o psiquiatra para revisar os medicamentos, talvez esteja na hora de trocar a medicação de novo. Ainda sinto o rosto doendo, ainda estou segurando o choro. Acho que deveria procurar o médico mesmo, talvez esteja na hora de testar um novo tratamento. Mas ainda não me animei a fazer isso. A medicação que estou tomando agora tem sido suficiente por tanto tempo, já me acostumei com ela. Uma parte de mim não quer mudar. Mas penso que minha psicóloga esteja certa em querer mexer nisso para ver se melhoro.

Vou levar as coisas da melhor forma possível e esperar que fique tudo bem. Sinto que nesse momento o principal é não permitir que a doença me ponha na cama tempo suficiente para me fazer perder coisas que construí com tanto sacrifício. Fazer o certo, nesse momento, me parece ser resistir e fazer o máximo que puder para não cair. Estou novamente em guerra contra um inimigo interno. E mesmo sem fazer ideia de como ele ressurgiu, preciso me concentrar em ficar de pé e cumprir com minhas obrigações. Espero que esse fantasma suma logo e tudo volte ao normal o quanto antes.