Tenho
estudado sobre a depressão. Sobre as características e as
descobertas feitas pela ciência, sobre as formas mais eficientes de
lidar com o chamado “mal do século”, sobre como ajudar as
pessoas que convivem comigo a entender o que se passa quando tenho
crises. Por indicação de um amigo, há uns dias, chegou até minhas
mãos o livro O Demônio do Meio-Dia: Um Atlas da Depressão, escrito
por Andrew Solomon. Uma obra fantástica e muito esclarecedora. Ainda
não terminei mas, já aprendi tanto que estou recomendando a leitura
a todos os amigos que se interessem pelo tema. O autor esmiúça a
depressão nos mínimos detalhes, abrangendo desde as questões
fisiológicas até as culturais. Listas de medicamentos, tratamentos
e seus efeitos, a influência da doença nas decisões, os graus de
depressão, os tratamentos alternativos, a forma como a medicina
encarou o quadro depressivo ao longo da história, a influência das
dificuldades financeiras nos quadros depressivos... Enquanto estou
lendo, tenho a impressão de estar fazendo um curso sobre o assunto,
no qual o professor se esforça para usar um linguajar o mais simples
quanto possível, mesmo quando aborda aspectos clínicos complexos.
De longe, essa é a melhor e mais acessível fonte de conhecimento
sobre o assunto que já encontrei. E recomendo fortemente a leitura a
todos que se interessam.
Entender
o que acontece comigo, assim como buscar autoconhecimento, tem sido,
provavelmente, o remédio mais eficiente de todos no que diz respeito
a me sentir melhor comigo mesmo. Considero tanto a medicação quanto
as sessões de terapia como as principais ferramentas no processo de
evolução do quadro em que me encontrava quatro anos atrás, quando
tive o acidente que quase me tirou a vida. Além das paranóias e
traumas que tomavam quase a totalidade da minha mente na época,
ainda estava cheio de frustrações fantasmagóricas e sequelas
psicológicas de acontecimentos antigos. Minha visão de mim mesmo
estava profundamente distorcida, o que me levava a ver somente os
pontos negativos da vida, oscilando entre a raiva de mim mesmo e a
autopiedade. O quadro era bastante dramático e, hoje eu sei,
resultado de um longo caminho no qual me intoxiquei de sentimentos e
memórias corrompidas ao longo dos anos até ficar tão encharcado de
veneno que não conseguia sequer enxergar o mundo real direito. No
estado em que me encontrava, poderia facilmente ficar preso para
sempre em um círculo vicioso de auto destruição e decadência. Mas
o que me aconteceu foi outra coisa. Nessa realidade eu reagi bem ao
tratamento e pude aproveitar as oportunidades que a vida me ofereceu
para voltar a ativa e manter as vitórias profissionais que com tanto
sacrifício havia conquistado. E a partir dessa manutenção das
estruturas pude iniciar um novo caminho, começando outra graduação,
o que tem me custado bastante esforço e aumentado minha fé em um
futuro melhor. Ou seja, não apenas melhorei dos sintomas, como
toquei minha vida em frente e até mesmo subi alguns degraus da
escada. Um resultado melhor do que o esperado.
Além
do acompanhamento médico e consequente apoio químico, foi preciso
muita força de vontade para que isso acontecesse como aconteceu.
Hoje me sinto no meio de um caminho bom, sinto que cumpro com minhas
obrigações e invisto em um futuro melhor para mim e para as pessoas
que amo. Era tudo que eu precisava sentir para sair daquele poço.
Foi preciso querer fazer as coisas certas com força o suficiente
para não ficar apenas na vontade, mas para trazer ao mundo real as
ações necessárias e dar os passos certos na direção certa. E a
origem da motivação necessária veio do olhar sincero para dentro,
das forças que encontrei através da análise e estudo de quem eu
sou e como vejo as coisas que me acontecem. Foi graças ao esforço
pelo autoconhecimento que tive forças para agir segundo o que achava
certo. Foi através das ferramentas oferecidas pela psicologia, que
minha terapeuta domina, que pude me ver como realmente sou e fazer
escolhas diferentes do que tinha feito no passado. Foi assim que
descobri o caminho. Fazer terapia com um profissional qualificado fez
mais efeito do que todos os remédios e substâncias que já usei
para tentar me sentir melhor ao longo de toda a vida. A bem da
verdade, os problemas continuam lá, o mundo em que vivo ainda é o
mesmo. Mas eu estou diferente, estou sóbrio, e tenho outras formas
de lidar com as frustrações e desafios diários. Buscar por mim
mesmo, viajar para dentro da minha mente, tem sido o principal
remédio na minha recuperação. E somado a isso, sem dúvida, como
regra básica da arte da guerra, é preciso conhecer o adversário.
Saber lidar com seus avanços e reconhecer suas fraquezas. Por isso,
ao mesmo tempo que me empenho tanto em me conhecer melhor, procuro
ouvir histórias de pessoas que passam pelo mesmo que eu, busco
referências, tento aprender com as experiências dos outros. Além
de ler, assistir documentários e entrevistas com especialistas sobre
o assunto sempre que posso. Para, cada vez mais, saber diferenciar o
que realmente vem de mim do que vem da doença. E assim fazer
escolhas melhores, sempre o mais de acordo com as minhas necessidades
reais.
Fazendo
um pequeno spoiler, Solomon diz no livro que escolheu o nome “Demônio
do Meio Dia” para batizar sua obra por conta do que diz o Salmo 91,
da Bíblia: Não terás medo do terror de noite nem da seta
que voa de dia. Nem da peste que anda na escuridão, nem da
mortandade que assola ao meio-dia (Salmos 91:5,6). Segundo
sua interpretação, a “mortandade que assola ao meio dia”
é uma metáfora para o quadro patológico hoje conhecido como
depressão. O que, pra mim, é bem fácil de observar como sendo
coerente. A depressão é um inimigo a ser enfrentado. Um inimigo
letal, que pode levar à morte o doente e, antes disso, destruir
completamente sua vida fazendo com que tome caminhos terríveis, faça
escolhas desastrosas e afunde em escuridão. Os efeitos psicológicos
da depressão podem ser muito severos, uma vida totalmente
equilibrada e ordenada pode vir abaixo, as melhores situações podem
virar o inferno. O gosto pela vida pode desaparecer. Disso muita
gente sabe. Mas o que não vejo muito ser comentado são os efeitos
físicos da depressão. Os sintomas que chegam à mente através dos
sentidos. Para quem não conhece os detalhes, é difícil explicar
como se pode sentir um desânimo tão grande que nem para sair da
cama para comer ou tomar banho, quanto mais trabalhar, a pessoa tem
forças. Como podemos sentir febre, ter cãibras terríveis,
desarranjos intestinais, como o estômago pode ficar tão sensível
que o simples ato de escovar os dentes, ou ter um pensamento súbito,
provocam vômitos totalmente aleatórios? Isso tudo sem estar
envenenado ou contaminado por nenhum patógeno. Como uma tristeza tão
forte ao ponto de causar dor física pode existir sem um motivo
claro? Aliás, falando em dor, como explicar as dores pelo corpo
todo, as irritantes e persistentes dores de cabeça, o desconforto
extremo ao ficar em qualquer posição? A hipersensibilidade à luz,
ao som, os surtos nervosos sem motivo, as crises de choro, a falta de
apetite ou a fome desenfreada? E a insônia, os pesadelos constantes,
a paralisia do sono? Todos esses sintomas, entre muitos outros, podem
aparecer em pacientes depressivos e na maioria das vezes não se faz
a conexão dos sintomas com a depressão. Procura-se por outras
doenças, outras razões que não o desequilíbrio causado pela
própria depressão. Isso tudo para ouvir em diversas ocasiões que é
falta de força de vontade ou “frescura”, por ninguém perceber
que tudo de ruim está conectado a uma doença real e séria. Depois
de muito estudar, acabei descobrindo que não apenas o desânimo
brutal que me derruba e a tristeza desmedida que sinto são sintomas
da depressão, mas também um conjunto de inúmeras outras sensações
desagradáveis que poderiam perfeitamente compor uma doença física
não psíquica. Tudo acaba sendo interligado, tudo tem uma origem
comum. A fraqueza resultante de tanto estresse emocional, as dores
somatizadas, o mal funcionamento de órgãos. Tudo pode ser
influenciado por um cérebro depressivo. Daí a necessidade de ter
acompanhamento médico e usar medicamentos que ajudem a enfrentar os
sintomas. Essa é uma realidade que era totalmente desconhecida para
mim até alguns anos atrás. Nunca tinha parado para estudar a
depressão como forma de autoconhecimento. Hoje, consciente de tantas
coisas que não sabia, posso avaliar muito melhor meu quadro e agir
de forma pragmática em relação aos sintomas, antes que tragam
consequências mais graves. Essa maturidade traz uma outra
perspectiva à situação, faz toda a diferença no enfrentamento do
problema. Aceitar a depressão como uma doença crônica com sintomas
variados foi um passo importante do meu despertar. Entender que as
dores, as gripes fora de época, as panes fisiológicas em geral
tinham conexão com a situação mental, que deveria tratar tudo como
um problema só e reconhecer que sozinho não tinha forças para
lidar com tudo aquilo. Perceber a mim mesmo como portador de uma
condição verdadeiramente debilitante e buscar recursos para reduzir
o impacto dos sintomas. Uma abordagem muito mais realista e global do
problema. Somente o conhecimento foi capaz de me oferecer essa opção.
Por isso valorizo tanto os estudos como parte do tratamento.
Recomendo
a leitura do livro de Andrew Solomon já de início para quem quer
começar a se informar sobre o assunto. Será como participar de um
grande seminário onde praticamente tudo que se sabe sobre a
depressão é abordado. E, somado a isso, sugiro que o tempo gasto na
internet seja em parte dedicado à busca por informações das mais
variadas fontes. Ler e assistir tudo o que encontrar. Essa prática
em conjunto com os exercícios eficientes de autoconhecimento farão
uma diferença enorme na vida de quem sofre desse terrível mal.
Mesmo com um processo lento se conhecer melhor e conhecer bem o
adversário serão armas importantes nas batalhas diárias que se
seguirão ao longo de toda a vida.