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quinta-feira, 24 de outubro de 2019

O Coringa e eu


No último final de semana assisti ao filme Coringa (2019), que conta com a brilhante atuação de Joaquin Phoenix no papel principal. Digo sem medo de cometer qualquer injustiça que foi o melhor filme que assisti esse ano e provavelmente um dos melhores que já vi em toda a vida. Entrou instantaneamente na lista dos meus filmes favoritos. Sei que esse não é um blog para falar sobre cinema, mas a experiência que tive com essa obra me obriga a tecer alguns comentários.

Tenho uma história relativamente íntima com o personagem Coringa. Me identifico com muito do que compõe o vilão, sobretudo com a forma caótica de lidar com os próprios desejos. Em diversas ocasiões utilizei imagens de palhaço para me referir a mim mesmo. Muito além do estereótipo de alguém que usa a personalidade animada e divertida para esconder sentimentos, como na famosa piada do Pagliacci que vemos em Watchmen (o filme de 2009), também fiz uso dessa alegorias para passar a mensagem aos stalkers de que sou capaz de fazer coisas impensáveis para pessoas comuns.

No filme de 2019, Arthur Fleck é um homem que sofre com doença mental e uma vida de dificuldades e injustiças. Sonha em trabalhar com arte mas nunca consegue sair da rotina fria de tormentos e obrigações que compõem seus dias. Devido a uma série de fatores combinados, vemos o personagem pouco a pouco perder a sanidade e manifestar uma atitude cada vez mais sarcástica e cruel, até ter sua personalidade tão modificada que é necessário um outro nome para identificá-lo. O Coringa, como alter ego, é construído gradativamente enquanto Arthur lida com as misérias que o assolam e o crescente ódio pela frustração constante que é a sua vida. O vilão nasce quando Arthur se deixa levar pela onda e permite que o palhaço assuma o controle da situação, como resultado de muita pressão psicológica sobre uma mente que já não era normal.

Respeitadas as devidas proporções, eu também já permiti que o palhaço louco dentro de mim assumisse o controle das minhas decisões. Passei alguns anos agindo com tanta audácia e ousadia que as pessoas com quem convivia ficavam chocadas. Tanto quem se importava comigo, que se preocupava com o ritmo alucinante das minhas escolhas, quanto gente com quem eu me relacionava profissionalmente por obrigação, que testemunhou atitudes que mesmo com o passar dos anos ainda não fazem sentido. Houve fases em que simplesmente absorvia os acontecimentos ruins com um sentimento de que um dia a situação viraria e eu estaria em outra posição, e ria por antecipação do que faria quando isso acontecesse. Fases onde tinha uma atuação socialmente aceitável no mundo visível, e outra atitude totalmente diferente na vida pessoal, alimentando hábitos e relações que seriam consideradas absurdas e incompatíveis com a superfície. E, por fim, uma fase onde o palhaço assumiu todo o controle e eu agi de forma caótica e não planejada, somente querendo ver o circo pegar fogo. Fase essa que me levou até o extremo de surtar e perder totalmente o contato com a realidade.

O Coringa é muito importante pra mim porque ilustra uma parte do que eu sou. Sou uma manifestação, hoje contida, deste espírito do caos que se diverte deslizando pelos acontecimentos, subvertendo a ordem por onde passa e influenciando tudo ao redor para o colapso. Quando busco nomear as personas que compõe a minha personalidade, a mais poderosa, e perigosa, de todas é o Palhaço. Com ele não há limites, nem critérios, nem qualquer tipo de freio. É a forma mais livre de mim mesmo que posso manifestar.

Não cheguei ao ponto de partir para ações violentas, como o Coringa comumente faz, mas cheguei bem perto. O vento que permitia me levar rumava irreversivelmente para esse lado. O que estancou os acontecimentos foi o surto, no qual quebrei e precisei me reconstruir. Hoje, o Palhaço, embora ainda viva em meu interior, não tem tanta influência nas minhas decisões e atitudes. Lidar com o ímpeto dele é uma tarefa particularmente difícil mas, tenho conseguido com um relativo sucesso. Tudo está em ordem e espero que continue assim. Não nutro grandes arrependimentos ou qualquer tipo de temor pela persona do Palhaço, mas já é um ponto pacífico que o melhor para mim é silenciar os impulsos que vem dali e buscar estabelecer alguma ordem, já que quero satisfazer mais meus desejos de ter.

O filme me impactou com muita força, pude ver o caminho que estava fazendo tempos atrás, rumo à total insanidade violenta. Claro que eu parei antes do que representa o início para o Coringa do filme, mas a identificação com o trajeto que o personagem faz foi inevitável. A loucura é uma porta larga, para passar por ela basta não se esforçar, é só se deixar levar. Fazer o que for surgindo sem calcular nada, sem tentar controlar nada. O mundo em si é enlouquecedor o suficiente para provocar a quebra de qualquer um que ultrapasse os limites.

A vida que levo hoje, regrada, organizada, contida, é muito mais segura e parece ter um destino muito melhor no longo prazo do que a que levava antes. A presença do Coringa continua forte em mim, mas não deixo que ele fique no comando. Nos entendemos bem em nossos diálogos internos. Ele mora do outro lado da rua, no lado oposto onde moram a depressão e a ansiedade. Todas as personas e doenças são vizinhas num mesmo bairro dentro da minha mente e me esforço para ter uma relação o mais saudável possível com todos os habitantes. A origem do Coringa como sendo um desgraçado com problemas mentais frustrado por não suportar a própria vida e não conseguir viver do que gostaria de fazer, combina muito comigo. A forma como ele raciocina e as coisas que é capaz de fazer, também combinam. Mas não sou ele. Hoje sei disso. E sobretudo sei que é necessário manter uma distância segura de tudo que ele toca.

No filme, Arthur sucumbe ao seu próprio palhaço e se torna um dos vilões mais terríveis que já foram imaginados. Vira o próprio caos a serviço do mal. Talvez a história fosse diferente se ele tivesse ajuda de pessoas que se importassem, se tivesse um tratamento adequado e se sua raiva e potenciais fossem direcionados para algo útil. A história da origem do Coringa fala sobre desamparo, sobre solidão, sobre perder a fé. E a minha história não é assim. Somos muito diferentes, apesar de termos compartilhado momentos importantes. Aceitar ajuda e reconhecer a importância das pessoas com quem me importo fizeram toda a diferença na escalada da minha evolução. Foi graças aos cuidados com que fui agraciado que o meu destino mudou e hoje não corro mais o risco de terminar como o Coringa terminaria aqui no mundo real. Sim, porque aqui é diferente da fantasia onde o personagem vive. Aqui as consequências são outras e o tempo é outro. Uma pessoa real que tente ser o que o Coringa é não terá um bom fim, não conquistará grandes coisas e nem superará desafios. O mundo real é muito pior do que o da fantasia e engole facilmente quem não joga o jogo nas regras.

Uma experiência intensa e perturbadora, assim resumo o que senti assistindo ao filme. Senti medo do personagem, coisa rara de me acontecer. Senti que não queria conhecer ninguém como aquele homem miserável e cruel que via na tela. Por mais que tenha sentido uma certa piedade do sofrimento retratado, nada justifica a maldade desproporcional nas atitudes dele. Me assustou o realismo conseguido pelo ator na interpretação e a figura toda, tudo que foi mostrado. Me assustou por ver uma parte escura de mim mesmo ali retratada. Saí do cinema com a cabeça fervendo e, mesmo hoje, passados alguns dias, ainda sinto a perturbação latejando nos corredores da minha mente.

Se existe uma mensagem possível nessa experiência, é a de que a arte pode mexer com as pessoas e é preciso saber colocar cada coisa no seu devido lugar. Por mais que um personagem ou uma história possam ilustrar algo com fidelidade, é preciso separar o que é real do imaginário. Sempre querendo o melhor para si, nunca se deixando levar para lugares desagradáveis ou perigosos. Fazer o certo é uma escolha, e geralmente não é a escolha mais fácil, mas é a única que comprovadamente vale a pena.

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