Desde
pequeno tenho tendência a me perder em pensamentos. Lembro que
cheguei a ter problemas com isso na escola, quando ficava imaginando
cenas e histórias ao invés de me concentrar nas aulas. Não era um
aluno de todo ruim mas, também não era aplicado o suficiente para
ter destaque. Exceto nas matérias que me agradavam estudar, que eram
respectivamente ciências e artes, no resto eu apenas conseguia
pontuação suficiente para passar de ano, e nada mais. Grande parte
desse desempenho aquém do esperado se devia ao fato de eu não
conseguir me manter concentrado por muito tempo em determinadas
coisas que eram importantes para as avaliações. Simplesmente não
conseguia manter o foco nas explicações das professoras. Minha
mente começava a flutuar em devaneios ao menor sinal de tédio.
Lembro de passar horas olhando pela janela da sala, pensando,
imaginando histórias enquanto a aula rolava. Angustiado esperando as
horas passarem para poder sair de lá e ir para casa.
Essa
característica me acompanhou por toda infância e adolescência. Aos
13 ou 14 anos cheguei a ser reprovado no primeiro ano do ensino
médio. Havia trocado de escola, uma instituição bem melhor do que
as anteriores onde estudei, mas não conseguia me concentrar em
nenhuma aula. Lembro de reclamar disso em casa. Fui atendido no SOE
(serviço de orientação ao estudante) da escola, meus pais me
levaram ao neurologista onde fiz exames que não constataram nada de
anormal, usei homeopatia (meus pais adoravam tratamentos
alternativos), mas nada parecia resolver, ou sequer encontrar o
problema. Somado ao desinteresse que eu sentia pelas aulas, ficar
sonhando acordado me custou a primeira e única reprovação escolar
que tive.
Hoje,
na vida adulta, isso ainda me causa sérias dificuldades. Volta e
meia preciso chamar minha própria atenção de volta ao que está
bem na minha frente. Seja um problema no trabalho, uma aula na
faculdade, uma reunião, um telefonema ou uma conversa, seguidamente
minha mente começa a viajar sem qualquer cerimônia e eu
simplesmente paro de ver e ouvir o que deveria para me perder em
imagens mentais que variam desde releituras da realidade até versões
absolutamente fantasiosas dos fatos. Tal como quando era muito
criança, mesmo com todas as responsabilidades da vida adulta, eu me
perco em devaneios por minutos que acabam fazendo falta para o
entendimento completo do que estou fazendo. Sempre me obrigando a
focar o pensamento e “voltar para a realidade”.
Quando
estou de folga, sem nenhum compromisso próximo, seguidamente fico
parado por horas, sim horas, viajando por dentro da minha própria
cabeça. Contando histórias para mim mesmo enquanto o tempo passa.
Embora o corpo esteja parado, a atividade mental é elevadíssima.
Por vezes chego a ficar bem cansado de tanto pensar e acabo
adormecendo e, não raro, sonhando com as imagens que havia criado.
Não
sei o quanto disso seria normal, pois não vejo ninguém a minha
volta fazendo nada nem parecido. Ninguém com tanta “vida interior”
assim. Reconheço que há um exagero mas, simplesmente não tenho
controle. Basta um minuto de algo que pede minha atenção ser menos
atrativo para que automaticamente eu comece a me distanciar do que
está acontecendo e voar para longe. Distraído, apesar da expressão
de seriedade no rosto.
Tenho
dificuldades para aprender coisas que não são muito agradáveis ao
meu gosto, enfrento situações tensas por não conseguir memorizar o
suficiente do que deveria. Me perco durante as aulas e acabo
precisando intensificar muito os estudos às vésperas das
avaliações. Esqueço de compromissos, deixo tarefas para fazer
depois que acabam caindo num limbo de onde nunca sequer serão
lembradas. Devido à tanta atividade mental, vivo cansado e sem
motivação para nada. Ansioso por um descanso que nunca vem, já que
mesmo em repouso as ondas de pensamentos não param.
Outra
consequência dessa característica é a criação absurda de
pensamentos negativos que ocorrem quando algo desperta minha
ansiedade. Basta ter um trabalho para entregar, agendar a data de uma
prova ou programar um encontro para que comecem a se formar ondas
crescentes de pensamentos imaginando cenários futuros catastróficos
com extremo realismo. Sinto o coração palpitar, as mãos suarem, a
tristeza da frustração de coisas que só aconteceram na minha
mente. Sofrer por antecipação tem um outro sentido pra mim, é em
um grau muito mais elevado do que vejo as outras pessoas fazerem. Eu
crio histórias vívidas onde tudo deu errado e eu preciso lidar com
as consequências. Sofro por situações ruins que frequentemente
sequer vão acontecer e, desdobro os fatos em outras situações
ainda piores, numa cadeia de eventos imaginados totalmente negativa.
Os pensamentos parecem surgir como vírus se espalhando por toda a
consciência. Me levando a ficar totalmente esgotado por coisas que
não são reais. Quando percebo, já estou há horas dedicando minha
atenção interna a ondas de pensamentos ruins infundados,
pessimistas, oriundos de qualquer coisa que me cause ansiedade. Ás
vezes, essas ondas duram dias a fio, me deixando mau humorado,
cansado, frustrado. Ajo como se tudo que eu faço tivesse prestes a
vir abaixo, como se não houvesse nada certo na minha vida. Fica mais
difícil dormir com tanta atividade mental, e mais difícil acordar
também, já que o descanso fica bastante prejudicado.
É
como se meu cérebro não relaxasse nunca, como se minha mente fosse
um furacão de pensamentos que, ou me esmaga, ou leva para longe.
Para lidar com isso eu uso medicação, devidamente receitada pelo
psiquiatra, que ajuda a fazer menos “associações” de
pensamentos e não me perder em paranóias. Além de tentar controlar
o fluxo de atividade mental meditando sempre que lembro. Fico em
silêncio, parado, apenas respirando e prestando atenção na
respiração, tal como aprendi com um amigo. Isso funciona muito
melhor do que eu pensava e realmente ajuda a controlar boa parte do
problema. Mas, infelizmente, não existe nada que resolva 100% da
situação. Atividades ou assuntos que despertam meu interesse, como
escrever ou ler algum bom livro com o tema que me atraia, fazem minha
mente acalmar e focar. E nesses momentos vejo o quanto anseio por um
pouco de ordem mental. Quando encontro algo que desperta meu
interesse ao ponto de focar meus pensamentos e começar a aprender
coisas novas sem esforço, fico obcecado pelo que estou fazendo. Se é
um livro, leio até não aguentar mais. Se é um jogo, jogo até
minha cabeça começar a doer e ser obrigado a parar. O mesmo ocorre
com filmes, video-aulas ou conversas com pessoas interessantes.
Repito compulsivamente aquilo que acalma minha mente por muitas e
muitas horas, até estar fisicamente incapacitado. Quando descubro um
assunto interessante para escrever, o texto sai rápido e abundante.
Como se “deslizasse” para fora da minha mente, não importando
quanto tempo leve no processo. O que me leva a crer que quando estou
concentrado em algo que me desperta interesse, tenho um grau de
comprometimento muito acima do comum. Chego a pensar que se pudesse
converter toda a motivação que tenho para trabalhar em algo que
goste seria capaz de produzir resultados notáveis. Sinto que vivo em
desperdício, na verdade, sendo obrigado a dedicar minha atenção à
coisas que não suporto. E por isso nunca ter resultados realmente
grandiosos no que faço. Sendo que poderia me concentrar e produzir
mais do que qualquer um se pudesse me dedicar a algo que me prenda a
atenção.
Infelizmente,
quase nada do que tenho como obrigações na vida atrai meu interesse
a esse ponto. Por isso aproveito as horas de folga para, pelo menos
no lazer, poder acalmar as ondas de pensamentos. Já que, no dia a
dia, sempre que preciso me concentrar em algo importante a sensação
é a de domar um cavalo selvagem. Por mais que eu me esforce, é
difícil absorver conhecimentos que não me atraem. E não tenho
qualquer controle sobre o que me desperta interesse. Mesmo sabendo
que é meu dever aprender e lembrar, mesmo que esteja claro que meu
futuro depende disso, eu não consigo. Por isso minha mente se perde
em pensamentos, voa longe, o tempo todo. Me deixando aéreo para
quase tudo e consumindo minha energia com coisas não produtivas.
Tenho
permanentemente esse quadro de hiperatividade mental que me custa
bastante caro. E essa acaba sendo mais uma daquelas coisas que
preciso aceitar do jeito que são, me esforçar para fazer o que é
certo e seguir em frente. Não tenho controle sobre isso e nunca
encontrei uma forma de reduzir o ritmo ou pelo menos ordenar a
bagunça dentro da minha cabeça. Trata-se de uma condição que não
me traz nada de benefício e frequentemente me afasta de alcançar
bons resultados. Do mesmo jeito como não controlo tantas outras
coisas na minha vida, essa é uma característica minha que se revela
de extrema importância, pois ocupa muito espaço na minha vida. É
uma das minhas tarefas lidar com isso e seguir vivendo, cumprindo
compromissos e evoluindo da melhor forma que posso. Tentando manter o
foco e remendando os problemas que isso me causa.