Acordei nervoso. Olhei para o relógio e vi que me atrasaria para o
trabalho pois não ouvi o despertador tocar. O coração estava
acelerado e eu sentia um desconforto muito grande nas costas e nos
braços. Os sons ao meu redor pareciam muito altos e insuportáveis.
Fiquei deitado por alguns instantes tentando sair daquilo e levantar,
mas simplesmente não conseguia. Moro próximo a uma avenida muito
movimentada e por conta disso meu apartamento é bastante barulhento.
Quando me mudei tive um longo período de adaptação, não conseguia
dormir nem fazer nada com todo aquele barulho de veículos passando o
tempo todo, mas com o tempo acabei acostumando. Hoje estou
razoavelmente acostumado, só me lembro do problema quando durmo fora
de casa, em algum lugar silencioso, e vejo como é bom poder
descansar no silêncio. Entretanto, hoje acordei com uma
sensibilidade terrível ao som. Cada carro, moto ou caminhão que
passava fazia meu estômago revirar e meu peito quase explodir de
fúria. Tentei cobrir a cabeça com o travesseiro, mas não
funcionou.
Estava
preocupado com o horário, precisava me aprontar para o trabalho. Mas
naquelas condições eu mal conseguia raciocinar. Só de imaginar
estar na presença de outras pessoas meu corpo inteiro tremia numa
repulsa fora do normal. Quando o ar começou a ficar pesado, difícil
de inspirar, foi quando reconheci que estava tendo uma crise de
ansiedade. Já tive várias, umas mais leves e outras mais extremas.
Essa parecia não ser das piores, mas não podia provocar a situação.
Precisava me acalmar.
Peguei
o celular e enviei uma mensagem para o grupo do trabalho, avisando
que iria me atrasar. Deitei com as mãos na cabeça e comecei a
tentar ordenar meus pensamentos. Os ruídos do dia reverberavam
dentro de mim, insuportáveis. Uma mistura de de repulsa com ódio a
cada barulho e cada voz que ouvia passando na rua. Tentei focar o
pensamento em algo, me concentrar nos movimentos da respiração,
aliviar conscientemente os músculos e todas as técnicas de
relaxamento que eu conheço. Nada parecia funcionar. Minha mente
estava agitada, elétrica. E meu corpo respondia com tiques e muito
suor.
Não
sei quanto tempo fiquei naquela situação, as ondas de pensamentos
pareciam intermináveis. Umas duas horas, talvez. Depois as coisas
começaram a acalmar e uma sensação de alívio foi crescendo aos
poucos. Foi quando levantei e fui até o banheiro. Meu rosto estava
péssimo, me sentia incrivelmente cansado. Um resíduo da super
sensibilidade ao som continuava incomodando e o coração continuava
acelerado. Mas eu estava melhor, sentia que o pior já tinha passado.
Olhei o relógio e estava passando da metade do horário do
expediente da manhã, se me apressasse chegaria antes do horário de
almoço no trabalho. Mas decidi ficar o resto do tempo em casa,
tentar me recuperar por mais algumas horas do que tinha acontecido.
Então
tomei banho, me vesti e preparei algo para comer. Tomei a medicação da manhã. O estômago
queimava em uma forte azia que pensei ser fome, mas não tinha
vontade de comer nada. Comi um pedaço de mamão que sempre me ajuda
com queimações no estômago e bebi uma xícara de café com leite
gelado. Saí da mesa ainda com dor no estômago e sentei no sofá da
sala. Meu cachorro, que sempre percebe quando as coisas não vão
bem, sentou ao meu lado e dei um pouco de atenção a ele. O som da
avenida em frente de casa continuava muito alto nos meus ouvidos, me
estressando. Mas o corpo parecia estar mais relaxado.
Preparei
as coisas na mochila, hoje a noite tenho aula depois do expediente,
tentei adivinhar se vai esfriar ou chover mais tarde, separei um
casaco e deixei tudo pronto para sair. Mesmo ainda nervoso eu não
podia ficar mais tempo em casa. Em outros episódios parecidos com o
de hoje tirei o dia de folga e o resultado foi desastroso
profissionalmente. É muito complicado explicar o que acontece nessas
situações para quem nunca passou por isso. A imagem que fazem é de
uma desculpa esfarrapada para faltar ao trabalho por preguiça, e
nada poderia estar mais longe da verdade. Agora, sempre que tenho
esse tipo de problema me vejo obrigado a disfarçar que está tudo
bem e seguir em frente. Em dias como hoje, me dou ao luxo de perder
algumas horas do dia a um preço calculado. É mais fácil de
administrar do que a falta de um dia completo. Não é o suficiente,
mas pelo menos sei que não terei uma crise nervosa constrangedora em
pleno ambiente de trabalho. Consigo ficar afastado pelo menos no
horário de pico. Nem sempre é possível, mas ainda bem que hoje foi
um dia em que pude ficar umas horas em casa, sozinho, antes de sair.
Agora
estou no trabalho, cheguei no horário de almoço do pessoal e
resolvi registrar o acontecido neste texto. É a primeira vez que
traduzo uma crise dessas em palavras. Ainda estou nervoso pelo efeito
emocional. Mas creio que consegui descrever o essencial. Ainda sinto
o estômago queimar, continuo com uma vontade imensa de ficar sozinho
e em silêncio, os ruídos continuam me incomodando. Mas estou aqui,
cumprindo meu papel, arcando com minhas responsabilidades. Hoje será
mais um dia em que farei tudo que preciso no piloto automático,
rezando para poder chegar em casa e descansar. Mais um entre tantos
que já vivi desta maneira.
Mas
sou grato por ter remédios em casa, por ter podido descansar algumas horas depois da crise, sou
grato por ter me alimentado e tomado banho. Por poder estar no
trabalho que paga minhas contas e proporciona uma vida digna para mim
e minha família. Sei que cada pessoa tem a sua cruz para carregar e
essa parece ser parte da minha. De vez em quando tenho essas crises e
preciso improvisar para lidar. E sou grato por poder dizer que,
dentro do possível, tenho lidado relativamente bem com tudo.
Creio
que só tenho o discernimento necessário para administrar a situação
porque me trato há um tempo. Não faço uso de nenhuma substância
que mexa na minha cabeça além dos remédios receitados pelo
psiquiatra e semanalmente faço sessões de terapia. Com isso, não
posso dizer que o problema sumiu, mas tenho essa desenvoltura em
lidar com ele. Consigo conter boa parte do impacto emocional e não
deixar que a desordem causada pela crise destrua minha vida social e
profissional. Por isso sou grato ao tratamento que faço também, sem
o qual certamente ainda estaria em casa passando mal e arriscando
piorar minhas condições por não conseguir manter as
responsabilidades.
Mais
um dia, mais um degrau. É assim que eu encaro tudo pelo que tenho
que passar. Amanhã será outro dia e certamente novas provações
virão. E com fé e resignação, eu enfrentarei em superarei todas
elas.
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