Ajuda, Auto-ajuda, Fé, Foco no Bem, Motivação, Recuperação, Relato, Viver o Bem, Superação, Vivência, Vida, Vontade de Fazer o Certo, A Hora é Agora! Vença a Ansiedade e a Depressão!

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Fazer o certo agora


Frequentemente me deparo com situações na vida que são acidentais. Provocadas por alguma condução abstrata dos fatos que levaram tudo a ocorrer de uma certa forma específica que culminasse, naquele exato momento, com um fato que aparentemente não está conectado com nenhuma de minhas escolhas. Nessas ocasiões percebo o quanto não posso controlar minha vida. A bem da verdade, já faz tempo que desisti de controlar tudo que me acontece. Passei a aceitar que as decisões que eu tomo são uma minúscula parte de um todo muito maior que sequer sou capaz de compreender, quanto mais controlar. Essa generosa dose de caos está presente nas vidas de todo mundo. Por mais que nos esforcemos para ter uma vida feliz, que persigamos nossos sonhos, que organizemos tudo ao nosso redor, a maior parte do que nos acontece não está sob nosso comando.

De fato as escolhas que fazemos são, sim, importantes e acabam se desdobrando em consequências de grande relevância. É preciso ser responsável e escolher bem antes de tomar decisões. Mas chamo aqui a atenção para aquilo que não se pode calcular, para as eventualidades e resultados inesperados que obtemos ao longo da nossa jornada e que acabam preenchendo a maior parte do que nos acontece.

Perceber essa característica da vida foi bem importante para entender a minha condição psicológica, e penso que seja útil para outras pessoas também. Perceber que, embora sejamos responsáveis por tomar decisões e escolher caminhos, nem tudo o que acontece na nossa vida advém das nossas escolhas. Aliás, de forma absoluta muito pouco está realmente relacionado. Existe um sem número de fatos e situações que ocorrem conosco diariamente por razões que nunca seremos capazes de compreender. A cadeia de eventos que acontece fora do nosso campo de visão e envolve as escolhas e consequências das vidas de outras pessoas interferindo na nossa é praticamente infinita aos nossos olhos. Até mesmo coisas mínimas como esquecer um objeto num lugar ou decidir por um prato ao invés de outro no restaurante podem fazer parte de um emaranhado de eventos de diferentes graus de importância nas vidas de pessoas que nem mesmo sabemos da existência. E, da mesma forma, nossa vida é influenciada por fatos alheios o tempo todo, criando as opções para escolhermos ou impondo situações para a qual devemos enfrentar sem que tenhamos feito nada, ou quase nada, para provocar.

Esses fatos dos quais não temos controle podem ser ruins, como num dia ruim, ou podem coroar nossa vida de um sucesso inesperado que traz imensa alegria. Estamos sempre à mercê do que pode vir a nos acontecer sem saber o que vem pela frente. Torcendo para que nossos planos deem certo ou para que as coisas mudem para melhor, sem efetivamente poder ter certeza de nada. Somente nos restando a opção mais sábia de aceitar o que vier e prosseguir com nossa vida da melhor forma que puder, seja num cenário favorável ou lidando com sofrimento. Percebendo isso é que interpreto o nome deste blog, Fazer o Certo Agora, como uma filosofia pessoal eficiente para enfrentar qualquer situação que surja.

Por mais que se tente relativizar os conceitos de certo e errado, se formos bem sinceros conosco mesmos saberemos em nossos corações quando uma atitude ou palavra dita são certas ou não. Temos como saber em nossas consciências que ser arrogante não vai nos levar a uma vida feliz, sabemos que se usarmos drogas para recreação estamos arriscando perder tudo para o vício, sabemos que chegar atrasado atrasa a vida de todos e que não valorizar os tesouros que temos nos faz empobrecer. Depois de uma idade, que varia de pessoa para pessoa, fica bem claro como reconhecer qual é o certo a se fazer. Então não podemos argumentar não saber o que é o mais certo a ser escolhido, pois sabemos, sim, de fato, o que é o mais certo e mais justo. O que é difícil, muitas vezes, é especificamente suportar o desconforto de fazer o certo. Fazer a escolha difícil. Isso sim. Geralmente fazer o certo não é a escolha mais confortável. Mas, saber o que é o certo a ser feito, sentir entre as opções qual é a certa, isso sempre temos como saber.

Embora não tenhamos controle da nossa vida, nos restando apenas pequenas escolhas a serem tomadas em um imenso e complexo jogo de causas e efeitos, existe a opção de condicionarmos nossa atitude ao ponto de fazer todas as escolhas segundo uma perspectiva. Nesse caso a maioria das nossas decisões se dará no “piloto automático”, até mesmo por reflexo, em consonância com os protocolos que assumimos. Se deixamos um sentimento específico controlar nossas escolhas, tudo que fizermos nos conduzirá por um caminho de vida que seja condizente com esse sentimento. Entraremos em situações que foram guiadas por essas escolhas. E o sentimento em questão acabará sendo uma espécie de norteador do que nos acontece. Da mesma forma, se optarmos conscientemente por fazer sempre a “escolha certa” nas decisões importantes, se focarmos nossa atitude em fazer o certo nesse exato momento, com o passar do tempo ficamos mais e mais condicionados a tomar decisões e fazer escolhas que sejam corretas segundo nossos mais sinceros e íntimos sentimentos e percepções.

A principal vantagem nisso está no longo prazo. Acumular escolhas feitas com a genuína intenção de fazer a coisa certa nos livra em grande quantidade do peso da culpa e do arrependimento de ter feito uma má escolha. Podemos pensar que, independentemente do que estamos passando no momento, não foi por um erro nosso. Não estamos sendo vítimas da nossa própria falta de caráter ou algo que o valha. Seja lá o que forem as consequências das nossas escolhas, o que está nos acontecendo é o certo a acontecer. Por que no que nos coube escolher, buscamos verdadeiramente fazer sempre a escolha certa. Muitas vezes optando pelo caminho mais difícil, sem trair o princípio de fazer o que é certo.

Por isso, Fazer o Certo Agora significa tomar boas decisões como um investimento na própria vida. Sabendo que isso não vai garantir um futuro lindo e perfeito, porque nada nesse mundo pode garantir isso, mas oferecendo gradativamente um estado de calma para si mesmo quanto ao que acontece de fato em relação ao que poderia ser. Continuamos a mercê da sorte, só que bem mais blindados quanto à sentimentos de auto sabotagem. Nos condicionando a fazer a coisa certa por instinto. Colhendo tanto as consequências boas quanto as difíceis que a vida oferece a todos o tempo todo, mas com a certeza de não estar criando cenários ruins, nem para nós mesmos nem pra ninguém, por culpa das nossas falhas morais e irresponsabilidades.

Sugiro que, se isso for alguma novidade para você, experimente a sensação de buscar fazer tudo certo em sua vida por uns dias. Tente fazer o melhor possível, dando atenção aos detalhes, mas sem se perder em pequenezas. Tente andar na linha, fazer o certo agora, nesse instante. E observe o quanto isso vai reverberar nos fatos que te cercam no dia a dia. E sobretudo, repare nos sentimentos que você nutre por você mesmo com o passar do tempo.

Fazer o certo no máximo de escolhas diárias possível tem sido o norte das minhas decisões desde que me recuperei do último acidente que quase me ceifou a vida. E a cada dia que passa percebo com mais intensidade ser esse, na verdade, o caminho. É uma escolha geral, que norteia as outras escolhas. Se por um lado não impede que venham dias ruins, por outro vai garantir que não me sinta mal comigo mesmo por ter um dia ruim. Se o que nos resta é fazer umas poucas escolhas, que passemos então a fazer boas escolhas, escolhas certas. E que a vida siga seu rumo.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Bullying


Hoje em dia se faz um grande estardalhaço sobre o que chamam de bullying. No meu ponto de vista, como é de praxe na sociedade atual, banalizando um problema real e bastante sério. Qualquer brincadeira ou comentário mais ácido é chamado de bullying, usando o termo para traduzir bobagens e frescuras de pessoas fracas e mimadas ao invés dos horrores que deveria.

Lembro que a primeira vez que fui agredido fisicamente sem motivo foi na pré-escola. Devia ter por volta de quatro anos. Um colega maior do que eu implicou comigo sem nenhuma razão e aproveitava todos os momentos em que a professora não estava nos observando para me bater. Não sei qual foi o destino daquele menino, mas somente tenho memória dele naquele ano. Quando ingressei na primeira série do ensino fundamental já não o vi mais. Dali em diante comecei de fato minha jornada na vida escolar, uma fase longa da qual não sinto nenhuma saudade.

Como já referi algumas vezes, eu fui uma criança um pouco excêntrica. Com uma curiosidade acima do normal e um gosto pessoal incomum. Tinha um grande interesse em temas que passavam despercebidos pela atenção das crianças da minha idade. Enquanto meus colegas se preocupavam com novelas, futebol e programas de auditório, eu apreciava documentários e programas educativos, antigas revistas de ciências, enciclopédias que tinha em casa e me divertia com histórias de terror e ficção científica. Estava sempre perdido nas conversas e fazia um esforço hercúleo para tentar me incluir. Esforço esse que não raro era retribuído com deboche e achincalhamentos por parte dos colegas. Nos primeiros anos, até a quarta série, estudei em uma escola para crianças onde sofri bastante com a exclusão. Não era aceito em nenhum grupo e não fiz amizades. Passava como um fantasma pela escola, sendo lembrado vez ou outra quando os colegas achavam necessário se divertir às custas de alguém. Dessa época, lembro apenas de nutrir admiração e carinho por uma professora que era totalmente fora dos padrões, a “prô Lígia”, que tocava violão em sala de aula e tratava com os alunos individualmente, dava atenção a cada um sempre com muito cuidado, ouvindo e buscando ajudar. Fora ela, não tenho outras referências de bons professores nessa fase.

Apesar do imenso vazio que sentia por não pertencer a grupo nenhum, ser alvo constante de piadas cruéis, do medo que sentia de alguns colegas violentos mas que, de fato, na maioria nunca chegaram a me fazer mal, e do tratamento injusto que recebi de algumas professoras irresponsáveis (deboche sem sentido em tarefas de sala de aula; proibição de ir ao banheiro por várias horas até várias crianças, inclusive eu, sujarem as calças; insinuação de ser homossexual que me rendeu um - já curado - comportamento homofóbico na vida adulta; exposição ao ridículo por gostar de filmes de terror…), com exceção do menino que me batia na pré escola, não considero ter sido exposto ao que se chama verdadeiramente de bullying nessa época. Acredito que com aquilo tudo apenas pude sentir o quanto o mundo é um lugar complicado de se viver para quem não se encaixa nos padrões. Mas a coisa mudou de grau quando troquei de escola, ingressando na quinta série em um colégio que contava com colegas adolescentes e alguns adultos. Foi lá que conheci o terror que me motivou a compartilhar essas lembranças em forma de texto.

A escola em que estudei dos nove aos doze anos era uma das maiores da cidade pequena onde eu morava. Reunia alunos de todos os bairros e, por ser pública, era frequentada por diversos jovens que haviam reprovado muitas vezes e, por isso, eram bem mais velhos do que a média. Em maioria, as turmas eram formadas por moradores da periferia. Jovens que em quase a totalidade enfrentavam dificuldades financeiras e vinham de lares complicados, convivendo com toda sorte de desgraça diariamente. Num cenário assim, não é difícil entender porque a violência era tão comum naquele lugar. Os quatro anos que passei lá foram um verdadeiro pesadelo que parecia não ter fim. Foi como cumprir uma pena. Perdi a conta de quantos espancamentos testemunhei e de quantas vezes tive medo de ser eu mesmo o alvo de um espancamento. Os membros das gangues mais violentas da cidade “estudavam” lá e sentiam um sádico prazer em agredir e amedrontar a todos.

Mesmo sendo cuidadoso e aproveitando bem as oportunidades, não escapei de tudo. Apanhei gratuitamente inúmeras vezes e fui humilhado umas outras tantas. Tive a sorte de vencer umas poucas brigas no recreio e, por isso, ser deixado um pouco de lado pelos valentões. Mas não imune ao meio. Muitas vezes me obriguei a fugir, literalmente falando, tive que correr para não virar um saco de pancadas sem ter feito absolutamente nada para provocar. Vi amigos ficarem com os rostos deformados, com poças de sangue no chão depois de serem surrados por dezenas de caras. Levei socos, cabeçadas, chutes e empurrões enquanto andava para a sala e esperava pela hora de começar as aulas no pátio. Fui roubado, acertado na têmpora por um grampo disparado por um estilingue que quase me deixou cego, alvo de brincadeiras humilhantes e ameaçado diariamente… Era um pesadelo sem fim.

Lembro bem de um dia, já na sétima série, em que uma professora veio conversar comigo sobre uma situação. As salas de aula estavam sendo alvo de furtos no horário do recreio e, por isso, a direção havia decidido tomar uma atitude um tanto peculiar: Deixar um aluno incumbido de trancar e abrir a porta da sala no horário do intervalo. Foi uma bênção. Por obra do Eterno naquele dia eu consegui chamar a atenção da professora em questão e ela decidiu que quem ficaria com a chave seria eu. Que alívio indescritível! O principal problema com a violência se dava sempre nas entradas e nas saídas (no horário da saída, inclusive, era comum ocorrerem brigas e espancamentos em grupo na rua, nos arredore da escola), no trajeto a ser percorrido pelos corredores e escadas do portão até a sala de aula, nas aulas de educação física e principalmente no inferno que era a hora do recreio. Com a possibilidade de trancar a sala, eu passei a não descer mais ao pátio. Os alunos eram proibidos de ficar em outros lugares da escola, todos deveriam ficar no pátio e quadras esportivas no horário do intervalo. Sempre havia um funcionário andando e fiscalizando as dependências para ver se alguém estava onde não devia e enxotando para o local determinado. Mas, com a possibilidade de esperar todos saírem e me trancar dentro da sala eu não descia mais para o pátio e, por alguns meses, tive o alívio de não precisar passar pelo terror da hora do recreio. Lembro até de, depois de um tempo, dar abrigo a um colega chamado Cleber que havia sido espancado por uns vinte caras duas vezes no mesmo ano e também tinha medo de ir para o recreio. Ficávamos escondidos na sala, em silêncio, para os fiscais que andavam pelos corredores não desconfiarem do nosso esconderijo. E essa é uma das melhores lembranças que tenho daquela época, o período em que achei um bom lugar para me esconder na hora do recreio. Enfim, nesse período descobri o real significado da palavra bullying. Uma condição que destrói os nervos de qualquer um pela constante exposição ao medo. O que me faz ter muito pouca paciência hoje em dia quando alguém diz estar sendo alvo de bullying por receber um apelido ou por colocarem lixo na mochila. Isso é banalizar um problema grave, é menosprezar o sofrimento de quem realmente passa por situações de abuso. É, fundamentalmente, uma falta de respeito.

O mundo é um lugar de sofrimento, ninguém vive aqui sem sofrer. É preciso ter isso em mente antes de sair nomeando as coisas baseado na própria experiência. Aos olhos de cada um, o seu sofrimento é sempre pior do que o do outros, e é um erro se deixar levar por essa visão. Existe uma diferença entre o fato a que somos expostos e a forma como sentimos o que acontece. E é preciso se esforçar para ter a consciência da diferença entre os dois. Não é possível controlar o que sentimos, mas isso não nos habilita a sermos injustos e impor ao mundo a nossa visão dos fatos. Não é porque você se sentiu mal em uma situação que automaticamente está autorizado a dizer que foi alvo de uma injustiça. Um bandido preso por roubo pode se sentir injustiçado pela vítima que o identificou, mas isso não o faz ter razão. Alguém que leva uma chamada de atenção por desconhecer regras de etiqueta e convívio pode achar que foram injustos consigo mas, de fato, quem estava errado? Da mesma forma, os sofrimentos que passamos devem ser avaliados de forma a identificar os fatos com a maior proximidade da realidade possível. Quanto do que passamos foi causado por alguma atitude errada nossa mesmo? É preciso tentar realmente entender o que aconteceu sem se deixar levar pelo que sentimos. Fazendo isso, é possível ter certeza de que fomos vítimas de alguma situação injusta realmente ou se estamos sendo exigentes demais para com nosso conforto, que não tolera nem um pouquinho de sofrimento e já faz tudo ser um drama. Como já foi dito, o mundo é um lugar de sofrimento. Viver é sofrer. É desejar coisas que não se pode ter, é perder coisas importantes e lidar com a falta. É estar à mercê das vontades de outras pessoas que na esmagadora maioria não pensam em ninguém além de si mesmas. O sofrimento, quando na medida, fortalece o espírito. O quanto antes aceitarmos isso, melhor. A escola, assim como todos os outros lugares que frequentamos ao longo da vida, está cheia do egoísmo, da burrice e da ignorância humana. Estar lá e não ser alvo de algum incômodo é que seria estranho. Uma dose de sofrimento na infância é até necessário para que sejamos adultos fortes, capazes de aguentar as doses muito maiores que virão com o passar do tempo. Chamar esses desconfortos causados por crueldades infantis que ocorrem em meio a vida escolar de bullying é o cúmulo da falta de noção. É colocar os próprios problemas acima dos problemas de todo mundo, até dos que sofrem injustiças verdadeiras. É egoísmo. Arrogância.

Bullying é uma tortura absurda que deixa marcas profundas pro resto da vida. Uma exposição ao medo de forma totalmente descabida. É violência gratuita e brutal. E isso, sim, deve ser avaliado por profissionais e enfrentado como um problema real. As vítimas precisam de amparo e os agressores precisam de punição que, no caso das escolas, se estenda aos seus responsáveis. Não perdendo tempo com gente mimada que acha que o apelido que recebeu é o fim do mundo, mas tratando dos jovens que tem que lidar todo dia com filmes de terror em suas vidas por culpa de psicopatas em idade escolar. Esse é um problema muito sério que exige atitudes drásticas para ser enfrentado. E não perder tempo com bobagens e frescuras de pessoas egoístas que se acham o centro do universo.

Eu fui alvo de bullying, de bullying verdadeiro e não de meros tiradores de sarro. E isso me custou anos da vida, no qual fui tomado por um ódio que jamais me levaria a bons caminhos. Uma revolta contra tudo e todos que quase destruiu minha vida. Me tornei um adolescente revoltado e um adulto problemático, muito em função do que passei na escola. O ódio que eu sentia era tanto que chegou a se voltar contra mim mesmo, ao ponto de adotar uma atitude totalmente auto-destrutiva. Por várias vezes eu quase morri sem nem saber ao certo no que estava me metendo e magoei muita gente injustamente.

Hoje posso dizer que já superei boa parte dos traumas a que fui exposto e lido relativamente bem com as lembranças do que foi meu período escolar. Faço tratamento psicológico e psiquiátrico e busco ocupar meu tempo com coisas úteis como trabalho e estudo. Tem dado certo. Com o passar do tempo as coisas ficaram mais claras e entendi melhor o que posso fazer em relação ao que me incomoda na vida e no mundo. Aquele ódio todo aliviou e deu lugar a outros sentimentos menos tóxicos. Minha vida ganhou gradativamente mais valor ao passo em que eu me desligava do que me fazia mal. Me ater aos compromissos que assumo, ter expectativas positivas para o futuro e agir em prol disso, cuidar bem de mim mesmo, como cuidaria de um filho ou de um irmão, são atitudes que aprendi a ter depois de tudo o que passei. Pode parecer óbvio para alguns, mas para mim não era. Deixar de lado as ideias ruins, parar de fazer coisas erradas, parar de magoar quem gosta de mim, foram passos importantes do meu desenvolvimento. E devo isso, em grande parte, ao esforço de tentar fazer a coisa certa a que passei a me dedicar.

Uma coisa que eu diria a quem foi ou é vítima de bullying, é que tudo passa. Pode parecer que o pesadelo não vai acabar nunca, mas um dia ele acaba sim. Com o tempo as fases passam e seguimos em frente. Temos sempre que enfrentar as situações que surgem em nossa vida dando o melhor de nós, fazendo tudo da forma mais inteligente e correta possível. Aja sempre da melhor forma possível para enfrentar o que lhe atormenta. Mas nada será suficiente para nos livrar totalmente do sofrimento. Então é melhor ter resignação e seguir em frente. Sempre. Quando as coisas ficarem realmente feias, procurar ajuda e às vezes tomar atitudes drásticas. Fazer o que for preciso ser feito no momento. Mas depois que tudo passar o tempo se encarregará de cobrir tudo com as areias do esquecimento. E se as lembranças forem dolorosas demais para serem apagadas, temos que nos apegar no que temos para fazer hoje. Nas nossas obrigações, nos nossos deveres. Fazer o certo mesmo que seja no piloto automático por tempo indeterminado. Mais cedo ou mais tarde as coisas mudam e a situação se torna mais favorável. Basta não parar de andar e não pisar fora da linha. Seguir sempre andando para frente e deixando o tempo fazer o seu trabalho.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Sobre a amizade


Apesar de nutrir um gosto intenso pela solitude, ter uma necessidade de estar sozinho para organizar os pensamentos e aproveitar o tempo, reconheço que não conseguiria levar uma vida de solidão absoluta. Somente consigo usufruir do prazer de estar sozinho quando é voluntário, uma opção entre outras possibilidades. Nunca pensaria em me isolar totalmente do contato com as pessoas, mesmo que essa ideia por vezes surja entre meus pensamentos mais utópicos.

Fui uma criança um pouco diferente das outras. Com gostos diferentes e uma curiosidade maior do que a maioria das outras crianças que me rodeavam. Desde cedo fui apaixonado por livros, mesmo antes de saber ler, documentários, histórias e tudo que me levasse a aprender ou criar. Lembro de considerar os melhores brinquedos que tive um mini kit de química que ganhei dos meus pais e os diversos conjuntos de ferramentas que de tempos em tempos alguém me dava de presente, com os quais brinquei até que se acabassem. Brinquedos bem diferentes das populares bolas e times de futebol de botão da época. Por ter um gosto diferente dos meninos e meninas da minha idade, que se encantavam por temas como esportes e artistas da televisão enquanto eu me divertia com filmes de terror e ficção científica, desenvolvi formas de passar o tempo e me entreter sozinho. Criando histórias, personagens e realidades que serviam de cenário para aventuras que só existiam na minha imaginação. Com o tempo, acabei me tornando um adulto com gosto por passar um tempo sozinho, fazendo coisas comigo mesmo. Mas sem que isso fizesse de mim uma pessoa solitária, aliás, muito pelo contrário. Sempre tive a sorte de conhecer pessoas boas e compartilhar momentos de amizade e alegria, amigos com os quais pude viver minhas próprias aventuras fantásticas e contar em momentos de dificuldade. Apesar não serem muitos, sempre tive ótimas pessoas com quem estar lado a lado ao longo da vida.

Hoje em dia posso dizer que sou abençoado com os melhores amigos que poderia ter. A maioria vindos da adolescência e começo da vida adulta. Pessoas com quem mesmo que fique meses ou anos sem falar, quando nos encontramos a conversa continua de onde parou. Alguns moram geograficamente longe, outros na mesma cidade, mas todos sempre à distância de um simples contato por telefone ou pela internet. Sem melindres ou formalidades.

Em momentos onde estive confuso, tomei decisões ruins e criei um ambiente ruim para minha vida, nunca estive verdadeiramente sozinho. Mesmo que não pudesse fazer nada para mudar minha situação, na maioria das vezes por burrice minha mesmo, sempre pude contar com quem se importasse e se preocupasse comigo. E sei o quanto isso é raro, o quanto é valioso. Há quem não consiga fazer um único amigo verdadeiro ao longo de toda a vida enquanto eu simplesmente não consigo sequer imaginar como seria minha vida sem ter a amizade de algumas pessoas especiais.

Foram amigos que estiveram comigo quando eu odiava o mundo e desprezava minha própria vida. Foi com amigos que dividi as angústias e irresponsabilidades da imaturidade. Com quem compartilhei opiniões que já não tenho mais, mudei de ideia e de aparência várias vezes, procurei ajudar e também busquei por ajuda, dormi na casa, reparti segredos, bebidas, refeições e colecionei lembranças. Foram amigos que me resgataram do fundo do poço e estiveram comigo mesmo nos momentos mais complicados.

Se há algum sentido na vida, certamente passa por fazer e cultivar amizades. Muito além de cumprir obrigações sociais como felicitar nos aniversários, visitar com frequência e ir à festas juntos, cultivar uma amizade é fundamentalmente um sentimento. Nutrir por alguém um misto de respeito e bem querer incondicional, ou seja: sem impor condições. Alegrar-se genuinamente ao ver uma foto publicada em rede social, enviar uma mensagem de conteúdo aleatório ou gastar um tempo relembrando momentos importantes mesmo quando se está sozinho. É reconhecer no outro uma parte de si, um vínculo que extrapola qualquer barreira física ou temporal. É alimentar um sentimento de família por pessoas que não compartilham laços sanguíneos. É um trabalho de longo prazo que exige, sim, sacrifício e a remuneração é subjetiva. Uma espécie de projeto para a vida toda no qual o objeto é a manutenção a qualquer custo de um sentimento cada vez mais profundo de aceitação dos defeitos e admiração pelas qualidades. É apreciar a companhia silenciosa e se comunicar por olhares e expressões faciais.

Cultivar boas amizades viabilizam o próprio exercício da vida. Dá sentido à existência, ajuda a manter o pé no chão quando o mundo se abala. Serve de âncora, de porto seguro em meio ao mar perigoso e revolto que é a vida diária. São dos amigos as vozes que ecoam em nosso interior quando tomamos uma decisão difícil ou lidamos com as consequências de uma uma escolha ruim. É nas pessoas que amamos que pensamos quando estamos em perigo, quando nossa vida está em jogo.

Se posso dar um conselho no dia de hoje é esse: valorize as pessoas boas que chegam na sua vida. Seja gentil e procure alimentar internamente os sentimentos por quem se revela importante. Cultive amizades como quem cultiva plantas que um dia virarão árvores. Doe sua amizade de coração aberto, sem exigir nada em troca. Cuide e proteja os seus amigos o máximo que puder. E pense neles, relembre das histórias e reviva o que tiver de bom sempre que a situação ficar tensa na sua vida. Será muito mais fácil andar em meio aos caminhos assustadores se não estiver sozinho. No final, tudo que vai nos restar mesmo é a diferença que fizemos nas vidas de outras pessoas. E se essa diferença for a de uma sólida e sincera amizade, então teremos certeza de ter feito a coisa certa.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Ideia de morrer


Não temos controle sobre nossos pensamentos. As imagens e palavras se formam na nossa cabeça sem qualquer possibilidade de obedecerem a nossa vontade, só nos restando a opção de alimentar ou não o pensamento que surge. Na maioria das vezes o que pensamos reflete algo que vimos ou passamos no mundo real. É apenas uma consequência de algum estímulo externo. Mas há casos em que uma ideia surge sem explicação aparente, talvez do cruzamento entre outros pensamentos, e se torna persistente. Se repete frequentemente como se estivesse atraindo a atenção para si, “querendo” crescer, se enraizar. E, em alguns casos, é preciso enfrentar a ideia como algo a ser combatido dentro de si.

Um exemplo disso ocorre comigo de tempos em tempos. Tenho uma ideia de morte que volta e meia aparece entre meus pensamentos e preciso me esforçar para desviar no fluxo de pensamentos. Não se trata de tendência suicida, não penso em tirar minha própria vida. É mais como uma certa impressão de conforto na ideia de morrer. Como se uma parte de mim estivesse ansiosa por deixar esse mundo. Algo como não querer puxar o gatilho, mas não achar ruim ser atingido por uma bala perdida, sofrer um enfarte ou cair com o avião.

Sempre que esses pensamentos surgem preciso me esforçar para desviar a atenção e digo para mim mesmo “não pensa besteira”. É algo com que eu tenho que lidar.

A vida de vez em quando se mostra sem sentido, sem lógica. Uma sequência de acontecimentos bons e infortúnios que invariavelmente vai terminar um dia com a chegada da morte. Começo a me perguntar por que tenho que passar por todo esse caminho, por que preciso superar tantas dificuldades e sentir todo o medo, insegurança, toda a frustração de uma vida inteira para chegar no final e terminar como qualquer outro ser vivo, com o corpo se decompondo em outras substâncias enquanto as lembranças do que eu fui e fiz somem nas areias do tempo. Onde está o sentido disso? Por que preciso esperar minha vez de passar pela morte? Já que é inevitável, por que não passar por isso logo?

Esses pensamentos são perigosos e habitam minha mente. Em algumas épocas se tornam mais presentes do que em outras, mas nunca somem definitivamente. Sobretudo por eu não encontrar nenhuma resposta satisfatória para essas perguntas. Tenho receio que essas ideias cresçam dentro de mim e acabem evoluindo para algum comportamento autodestrutivo ou surjam com uma solução suicida para os problemas. Preciso admitir que tenho medo que isso aconteça. Por isso enfrento esses pensamentos fugindo deles, não os alimento nem lhes dou atenção. Convivo com a vontade de morrer ignorando sua presença dentro da minha mente.

Não me lembro ao certo quando foi a primeira vez que algo assim me ocorreu. Tenho lembranças de imaginar meu próprio velório já na infância, no início da adolescência. Com o tempo a ideia de partir desse mundo só se tornou mais clara, nunca me abandonou. É algo que não costumo falar com ninguém, uma coisa realmente bem íntima que certamente deixará preocupados todos que se importam comigo e conhecem minha história. Mas, como disse, não tenho controle sobre isso. O máximo que consigo fazer é usar minha consciência de forma a bloquear e enfraquecer as ideias de morte. Acredito que isso seja o certo a se fazer nesse caso.

Por algum motivo esses pensamentos existem dentro de mim e não consigo eliminá-los definitivamente. Preciso viver com a presença deles. E decidi que não vou permitir que se tornem mais complexos do que meros impulsos irracionais, não permitirei que se tornem ideias fundamentadas e complexas na minha paisagem interior. Valorizo minha vida e não quero abrir mão dela. Não quero deixar ninguém triste pela minha ausência e nem perder as vivências e experiências que ainda estão por vir. As vezes consigo descrever esse jeito de ver as coisas, cortejando a morte, como uma certa preguiça de viver. Uma preguiça tão grande, tão profunda, que é preferível morrer do que ter que fazer tudo o que preciso fazer. Algo como uma solução prática para um problema difícil, que é viver. Uma parte ruim de mim, um instinto viciado de fugir de tudo que me tire da zona de conforto. Uma coisa que preciso aperfeiçoar na minha personalidade. Talvez o desejo de morrer seja o resultado de um defeito. Um sintoma de falha.

Seja como for, é algo que preciso enfrentar. Tenho que travar batalhas internas para não deixar esse mal crescer dentro de mim. Mal esse que para se proliferar só precisa que eu não faça nada. Que deixe solto, que não aja. Ele se desenvolve do mesmo jeito que surge, do nada. Do vazio. E é algo que preciso estar atento para não deixar evoluir para algo maior. Para não se tornar uma ideia norteadora de ações.

Andar na linha passa por policiar a si mesmo. E essa é uma das brechas na segurança na qual preciso estar sempre antenado, consciente, para agir rapidamente e neutralizar os efeitos. Hoje tenho consciência disso e trabalho para que não haja espaço em mim para esse tipo de ideia, pensamento, impulso ou seja lá o que for, que me conduza a um caminho errado. É uma das faces do adversário que habita minha alma e o tempo todo me puxa para as trevas. Uma das ferramentas do personagem feito de escuridão que preciso derrotar dia após dia para seguir fazendo o certo.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Reflexão sobre liberdade e desejo


A liberdade está intimamente relacionada com a vontade. Quanto mais liberdade se tem, mais vontades pode-se satisfazer. O contrário também é verdadeiro, quanto menos liberdade menos vontades pode-se realizar. A liberdade permite o fazer e o não fazer, o ter e o não ter. Almejar mais liberdade é querer escolher mais, querer menos liberdade é aceitar mais o que vem espontaneamente, abrir mão da escolha. Mais liberdade é caminho do prazer, menos liberdade é o caminho do sofrimento. Abrir mão da liberdade é não escolher mais nada, levar a liberdade às últimas consequências é poder escolher o que quiser, poder realizar qualquer desejo.

Cabe deixar claro, liberdade é bem mais do que realizar desejos. É, antes disso, o poder de escolher realizar ou não um desejo. O desejo é a forma de interagir com a liberdade. O escolher não realizar um desejo e não desejar é uma manifestação da liberdade. A liberdade se manifesta em graus. O desejo também.

O desejo se manifesta de duas formas: o desejo do ter e o desejo do fazer. E estas formas norteiam as decisões humanas, dão o direcionamento para a liberdade que se tem.

Em pessoas no qual o ter predomina, é fácil observar um grande empenho em obter bens materiais. Em pessoas no qual o fazer predomina, vemos um maior empenho em desfrutar de sensações.

Há influência do ter no fazer, as vezes o ter se mescla ao fazer, e vice versa, em diferentes graus. Frequentemente é preciso ter para poder fazer, da mesma forma, as vezes é preciso fazer para poder ter. Mas sempre há uma intenção predominante, sempre há uma motivação primária, e esta é sempre ter ou fazer algo.

O ter é material, vincula objetos, títulos e condições às emoções. Estabelece satisfação pela sensação de posse sobre o que quer que seja. Por isso pessoas que são mais influenciadas pelo ter tem maior necessidade de controle sobre as coisas. Precisam exercer a posse sobre o que tem.

O fazer é imaterial, vincula ações e movimentos às emoções. Estabelece satisfação pela sensação de concluir tarefas ou atos de qualquer natureza. As pessoas mais influenciadas pelo fazer tem certa aversão ao controle e vivem suas vidas aceitando as coisas que ocorrem conforme são, sem necessidade de controlar o que acontece. Não há tanto prazer na posse mas, sim, na própria feitura da ação. As lembranças do que foi feito são o pagamento que precisam para se satisfazerem.

Deixar-se a mercê do acaso intensifica as sensações, ao passo que programar o que vai acontecer reduz expectativas e ilusões, portanto, enfraquecendo as sensações do que acontece. A surpresa brilha com muito mais força do que a previsão. Quem quer sentir mais quer sentir tudo. Quem quer ter tudo não se importa de sentir menos para tal. O fazer é lidar com o desconhecido, um dos mais assustadores atos humanos. O ter é não ser surpreendido, estar preparado.

Para fazer muito é preciso não planejar, o caos é o senhor do sentir. Quanto mais uma pessoa é organizada, mais beneficia o ter, mais coisas terá e menos fará. Quanto menos organização mais coisas fará e menos terá. Organizar para fazer é como desorganizar para ter, pode ocorrer mas contraria a regra e não exerce a função em plenitude. Organizar é ter, improvisar é fazer. Quem almeja ter mais do que tem precisa organizar mais sua vida, quem deseja sentir mais deve se permitir enfrentar o acaso com mais frequência.

Não desejar, se libertar do desejo, pode vir de duas formas: satisfazer todas vontades e, portanto, por terem sido todos satisfeitos não ter mais nenhum desejo, ou destruir todos os desejos aumentando a tolerância ao sofrimento à níveis infinitos, tornando-se capaz de aceitar qualquer coisa que aconteça, por pior que seja, sem desejar que fosse diferente.

Ambos são caminhos que levam ao mesmo fim, o não querer, o não desejo. O que é a forma de desvincular a liberdade do desejo. Ambos os caminhos exigem habilidade sobre-humana. Sem o desejo pode-se experimentar o nível supremo da liberdade pura. A liberdade da liberdade. É não interagir mais com a liberdade por estar em pé de igualdade com ela. É ser mais do que humano, ser abstrato tal qual a própria liberdade.