Apesar
de nutrir um gosto intenso pela solitude, ter uma necessidade de
estar sozinho para organizar os pensamentos e aproveitar o tempo,
reconheço que não conseguiria levar uma vida de solidão absoluta.
Somente consigo usufruir do prazer de estar sozinho quando é
voluntário, uma opção entre outras possibilidades. Nunca pensaria
em me isolar totalmente do contato com as pessoas, mesmo que essa
ideia por vezes surja entre meus pensamentos mais utópicos.
Fui
uma criança um pouco diferente das outras. Com gostos diferentes e
uma curiosidade maior do que a maioria das outras crianças que me
rodeavam. Desde cedo fui apaixonado por livros, mesmo antes de saber
ler, documentários, histórias e tudo que me levasse a aprender ou
criar. Lembro de considerar os melhores brinquedos que tive um mini
kit de química que ganhei dos meus pais e os diversos conjuntos de
ferramentas que de tempos em tempos alguém me dava de presente, com
os quais brinquei até que se acabassem. Brinquedos bem diferentes
das populares bolas e times de futebol de botão da época. Por ter
um gosto diferente dos meninos e meninas da minha idade, que se
encantavam por temas como esportes e artistas da televisão enquanto
eu me divertia com filmes de terror e ficção científica,
desenvolvi formas de passar o tempo e me entreter sozinho. Criando
histórias, personagens e realidades que serviam de cenário para
aventuras que só existiam na minha imaginação. Com o tempo, acabei
me tornando um adulto com gosto por passar um tempo sozinho, fazendo
coisas comigo mesmo. Mas sem que isso fizesse de mim uma pessoa
solitária, aliás, muito pelo contrário. Sempre tive a sorte de
conhecer pessoas boas e compartilhar momentos de amizade e alegria,
amigos com os quais pude viver minhas próprias aventuras fantásticas
e contar em momentos de dificuldade. Apesar não serem muitos, sempre
tive ótimas pessoas com quem estar lado a lado ao longo da vida.
Hoje
em dia posso dizer que sou abençoado com os melhores amigos que
poderia ter. A maioria vindos da adolescência e começo da vida
adulta. Pessoas com quem mesmo que fique meses ou anos sem falar,
quando nos encontramos a conversa continua de onde parou. Alguns
moram geograficamente longe, outros na mesma cidade, mas todos sempre
à distância de um simples contato por telefone ou pela internet.
Sem melindres ou formalidades.
Em
momentos onde estive confuso, tomei decisões ruins e criei um
ambiente ruim para minha vida, nunca estive verdadeiramente sozinho.
Mesmo que não pudesse fazer nada para mudar minha situação, na
maioria das vezes por burrice minha mesmo, sempre pude contar com
quem se importasse e se preocupasse comigo. E sei o quanto isso é
raro, o quanto é valioso. Há quem não consiga fazer um único
amigo verdadeiro ao longo de toda a vida enquanto eu simplesmente não
consigo sequer imaginar como seria minha vida sem ter a amizade de
algumas pessoas especiais.
Foram
amigos que estiveram comigo quando eu odiava o mundo e desprezava
minha própria vida. Foi com amigos que dividi as angústias e
irresponsabilidades da imaturidade. Com quem compartilhei opiniões
que já não tenho mais, mudei de ideia e de aparência várias
vezes, procurei ajudar e também busquei por ajuda, dormi na casa,
reparti segredos, bebidas, refeições e colecionei lembranças.
Foram amigos que me resgataram do fundo do poço e estiveram comigo
mesmo nos momentos mais complicados.
Se
há algum sentido na vida, certamente passa por fazer e cultivar
amizades. Muito além de cumprir obrigações sociais como felicitar
nos aniversários, visitar com frequência e ir à festas juntos,
cultivar uma amizade é fundamentalmente um sentimento. Nutrir por
alguém um misto de respeito e bem querer incondicional, ou seja: sem
impor condições. Alegrar-se genuinamente ao ver uma foto publicada
em rede social, enviar uma mensagem de conteúdo aleatório ou gastar
um tempo relembrando momentos importantes mesmo quando se está
sozinho. É reconhecer no outro uma parte de si, um vínculo que
extrapola qualquer barreira física ou temporal. É alimentar um
sentimento de família por pessoas que não compartilham laços
sanguíneos. É um trabalho de longo prazo que exige, sim, sacrifício
e a remuneração é subjetiva. Uma espécie de projeto para a vida
toda no qual o objeto é a manutenção a qualquer custo de um
sentimento cada vez mais profundo de aceitação dos defeitos e
admiração pelas qualidades. É apreciar a companhia silenciosa e se
comunicar por olhares e expressões faciais.
Cultivar
boas amizades viabilizam o próprio exercício da vida. Dá sentido à
existência, ajuda a manter o pé no chão quando o mundo se abala.
Serve de âncora, de porto seguro em meio ao mar perigoso e revolto
que é a vida diária. São dos amigos as vozes que ecoam em nosso
interior quando tomamos uma decisão difícil ou lidamos com as
consequências de uma uma escolha ruim. É nas pessoas que amamos que
pensamos quando estamos em perigo, quando nossa vida está em jogo.
Se
posso dar um conselho no dia de hoje é esse: valorize as pessoas
boas que chegam na sua vida. Seja gentil e procure alimentar
internamente os sentimentos por quem se revela importante. Cultive
amizades como quem cultiva plantas que um dia virarão árvores. Doe
sua amizade de coração aberto, sem exigir nada em troca. Cuide e
proteja os seus amigos o máximo que puder. E pense neles, relembre
das histórias e reviva o que tiver de bom sempre que a situação
ficar tensa na sua vida. Será muito mais fácil andar em meio aos
caminhos assustadores se não estiver sozinho. No final, tudo que vai
nos restar mesmo é a diferença que fizemos nas vidas de outras
pessoas. E se essa diferença for a de uma sólida e sincera amizade,
então teremos certeza de ter feito a coisa certa.
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