Ajuda, Auto-ajuda, Fé, Foco no Bem, Motivação, Recuperação, Relato, Viver o Bem, Superação, Vivência, Vida, Vontade de Fazer o Certo, A Hora é Agora! Vença a Ansiedade e a Depressão!

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Bullying


Hoje em dia se faz um grande estardalhaço sobre o que chamam de bullying. No meu ponto de vista, como é de praxe na sociedade atual, banalizando um problema real e bastante sério. Qualquer brincadeira ou comentário mais ácido é chamado de bullying, usando o termo para traduzir bobagens e frescuras de pessoas fracas e mimadas ao invés dos horrores que deveria.

Lembro que a primeira vez que fui agredido fisicamente sem motivo foi na pré-escola. Devia ter por volta de quatro anos. Um colega maior do que eu implicou comigo sem nenhuma razão e aproveitava todos os momentos em que a professora não estava nos observando para me bater. Não sei qual foi o destino daquele menino, mas somente tenho memória dele naquele ano. Quando ingressei na primeira série do ensino fundamental já não o vi mais. Dali em diante comecei de fato minha jornada na vida escolar, uma fase longa da qual não sinto nenhuma saudade.

Como já referi algumas vezes, eu fui uma criança um pouco excêntrica. Com uma curiosidade acima do normal e um gosto pessoal incomum. Tinha um grande interesse em temas que passavam despercebidos pela atenção das crianças da minha idade. Enquanto meus colegas se preocupavam com novelas, futebol e programas de auditório, eu apreciava documentários e programas educativos, antigas revistas de ciências, enciclopédias que tinha em casa e me divertia com histórias de terror e ficção científica. Estava sempre perdido nas conversas e fazia um esforço hercúleo para tentar me incluir. Esforço esse que não raro era retribuído com deboche e achincalhamentos por parte dos colegas. Nos primeiros anos, até a quarta série, estudei em uma escola para crianças onde sofri bastante com a exclusão. Não era aceito em nenhum grupo e não fiz amizades. Passava como um fantasma pela escola, sendo lembrado vez ou outra quando os colegas achavam necessário se divertir às custas de alguém. Dessa época, lembro apenas de nutrir admiração e carinho por uma professora que era totalmente fora dos padrões, a “prô Lígia”, que tocava violão em sala de aula e tratava com os alunos individualmente, dava atenção a cada um sempre com muito cuidado, ouvindo e buscando ajudar. Fora ela, não tenho outras referências de bons professores nessa fase.

Apesar do imenso vazio que sentia por não pertencer a grupo nenhum, ser alvo constante de piadas cruéis, do medo que sentia de alguns colegas violentos mas que, de fato, na maioria nunca chegaram a me fazer mal, e do tratamento injusto que recebi de algumas professoras irresponsáveis (deboche sem sentido em tarefas de sala de aula; proibição de ir ao banheiro por várias horas até várias crianças, inclusive eu, sujarem as calças; insinuação de ser homossexual que me rendeu um - já curado - comportamento homofóbico na vida adulta; exposição ao ridículo por gostar de filmes de terror…), com exceção do menino que me batia na pré escola, não considero ter sido exposto ao que se chama verdadeiramente de bullying nessa época. Acredito que com aquilo tudo apenas pude sentir o quanto o mundo é um lugar complicado de se viver para quem não se encaixa nos padrões. Mas a coisa mudou de grau quando troquei de escola, ingressando na quinta série em um colégio que contava com colegas adolescentes e alguns adultos. Foi lá que conheci o terror que me motivou a compartilhar essas lembranças em forma de texto.

A escola em que estudei dos nove aos doze anos era uma das maiores da cidade pequena onde eu morava. Reunia alunos de todos os bairros e, por ser pública, era frequentada por diversos jovens que haviam reprovado muitas vezes e, por isso, eram bem mais velhos do que a média. Em maioria, as turmas eram formadas por moradores da periferia. Jovens que em quase a totalidade enfrentavam dificuldades financeiras e vinham de lares complicados, convivendo com toda sorte de desgraça diariamente. Num cenário assim, não é difícil entender porque a violência era tão comum naquele lugar. Os quatro anos que passei lá foram um verdadeiro pesadelo que parecia não ter fim. Foi como cumprir uma pena. Perdi a conta de quantos espancamentos testemunhei e de quantas vezes tive medo de ser eu mesmo o alvo de um espancamento. Os membros das gangues mais violentas da cidade “estudavam” lá e sentiam um sádico prazer em agredir e amedrontar a todos.

Mesmo sendo cuidadoso e aproveitando bem as oportunidades, não escapei de tudo. Apanhei gratuitamente inúmeras vezes e fui humilhado umas outras tantas. Tive a sorte de vencer umas poucas brigas no recreio e, por isso, ser deixado um pouco de lado pelos valentões. Mas não imune ao meio. Muitas vezes me obriguei a fugir, literalmente falando, tive que correr para não virar um saco de pancadas sem ter feito absolutamente nada para provocar. Vi amigos ficarem com os rostos deformados, com poças de sangue no chão depois de serem surrados por dezenas de caras. Levei socos, cabeçadas, chutes e empurrões enquanto andava para a sala e esperava pela hora de começar as aulas no pátio. Fui roubado, acertado na têmpora por um grampo disparado por um estilingue que quase me deixou cego, alvo de brincadeiras humilhantes e ameaçado diariamente… Era um pesadelo sem fim.

Lembro bem de um dia, já na sétima série, em que uma professora veio conversar comigo sobre uma situação. As salas de aula estavam sendo alvo de furtos no horário do recreio e, por isso, a direção havia decidido tomar uma atitude um tanto peculiar: Deixar um aluno incumbido de trancar e abrir a porta da sala no horário do intervalo. Foi uma bênção. Por obra do Eterno naquele dia eu consegui chamar a atenção da professora em questão e ela decidiu que quem ficaria com a chave seria eu. Que alívio indescritível! O principal problema com a violência se dava sempre nas entradas e nas saídas (no horário da saída, inclusive, era comum ocorrerem brigas e espancamentos em grupo na rua, nos arredore da escola), no trajeto a ser percorrido pelos corredores e escadas do portão até a sala de aula, nas aulas de educação física e principalmente no inferno que era a hora do recreio. Com a possibilidade de trancar a sala, eu passei a não descer mais ao pátio. Os alunos eram proibidos de ficar em outros lugares da escola, todos deveriam ficar no pátio e quadras esportivas no horário do intervalo. Sempre havia um funcionário andando e fiscalizando as dependências para ver se alguém estava onde não devia e enxotando para o local determinado. Mas, com a possibilidade de esperar todos saírem e me trancar dentro da sala eu não descia mais para o pátio e, por alguns meses, tive o alívio de não precisar passar pelo terror da hora do recreio. Lembro até de, depois de um tempo, dar abrigo a um colega chamado Cleber que havia sido espancado por uns vinte caras duas vezes no mesmo ano e também tinha medo de ir para o recreio. Ficávamos escondidos na sala, em silêncio, para os fiscais que andavam pelos corredores não desconfiarem do nosso esconderijo. E essa é uma das melhores lembranças que tenho daquela época, o período em que achei um bom lugar para me esconder na hora do recreio. Enfim, nesse período descobri o real significado da palavra bullying. Uma condição que destrói os nervos de qualquer um pela constante exposição ao medo. O que me faz ter muito pouca paciência hoje em dia quando alguém diz estar sendo alvo de bullying por receber um apelido ou por colocarem lixo na mochila. Isso é banalizar um problema grave, é menosprezar o sofrimento de quem realmente passa por situações de abuso. É, fundamentalmente, uma falta de respeito.

O mundo é um lugar de sofrimento, ninguém vive aqui sem sofrer. É preciso ter isso em mente antes de sair nomeando as coisas baseado na própria experiência. Aos olhos de cada um, o seu sofrimento é sempre pior do que o do outros, e é um erro se deixar levar por essa visão. Existe uma diferença entre o fato a que somos expostos e a forma como sentimos o que acontece. E é preciso se esforçar para ter a consciência da diferença entre os dois. Não é possível controlar o que sentimos, mas isso não nos habilita a sermos injustos e impor ao mundo a nossa visão dos fatos. Não é porque você se sentiu mal em uma situação que automaticamente está autorizado a dizer que foi alvo de uma injustiça. Um bandido preso por roubo pode se sentir injustiçado pela vítima que o identificou, mas isso não o faz ter razão. Alguém que leva uma chamada de atenção por desconhecer regras de etiqueta e convívio pode achar que foram injustos consigo mas, de fato, quem estava errado? Da mesma forma, os sofrimentos que passamos devem ser avaliados de forma a identificar os fatos com a maior proximidade da realidade possível. Quanto do que passamos foi causado por alguma atitude errada nossa mesmo? É preciso tentar realmente entender o que aconteceu sem se deixar levar pelo que sentimos. Fazendo isso, é possível ter certeza de que fomos vítimas de alguma situação injusta realmente ou se estamos sendo exigentes demais para com nosso conforto, que não tolera nem um pouquinho de sofrimento e já faz tudo ser um drama. Como já foi dito, o mundo é um lugar de sofrimento. Viver é sofrer. É desejar coisas que não se pode ter, é perder coisas importantes e lidar com a falta. É estar à mercê das vontades de outras pessoas que na esmagadora maioria não pensam em ninguém além de si mesmas. O sofrimento, quando na medida, fortalece o espírito. O quanto antes aceitarmos isso, melhor. A escola, assim como todos os outros lugares que frequentamos ao longo da vida, está cheia do egoísmo, da burrice e da ignorância humana. Estar lá e não ser alvo de algum incômodo é que seria estranho. Uma dose de sofrimento na infância é até necessário para que sejamos adultos fortes, capazes de aguentar as doses muito maiores que virão com o passar do tempo. Chamar esses desconfortos causados por crueldades infantis que ocorrem em meio a vida escolar de bullying é o cúmulo da falta de noção. É colocar os próprios problemas acima dos problemas de todo mundo, até dos que sofrem injustiças verdadeiras. É egoísmo. Arrogância.

Bullying é uma tortura absurda que deixa marcas profundas pro resto da vida. Uma exposição ao medo de forma totalmente descabida. É violência gratuita e brutal. E isso, sim, deve ser avaliado por profissionais e enfrentado como um problema real. As vítimas precisam de amparo e os agressores precisam de punição que, no caso das escolas, se estenda aos seus responsáveis. Não perdendo tempo com gente mimada que acha que o apelido que recebeu é o fim do mundo, mas tratando dos jovens que tem que lidar todo dia com filmes de terror em suas vidas por culpa de psicopatas em idade escolar. Esse é um problema muito sério que exige atitudes drásticas para ser enfrentado. E não perder tempo com bobagens e frescuras de pessoas egoístas que se acham o centro do universo.

Eu fui alvo de bullying, de bullying verdadeiro e não de meros tiradores de sarro. E isso me custou anos da vida, no qual fui tomado por um ódio que jamais me levaria a bons caminhos. Uma revolta contra tudo e todos que quase destruiu minha vida. Me tornei um adolescente revoltado e um adulto problemático, muito em função do que passei na escola. O ódio que eu sentia era tanto que chegou a se voltar contra mim mesmo, ao ponto de adotar uma atitude totalmente auto-destrutiva. Por várias vezes eu quase morri sem nem saber ao certo no que estava me metendo e magoei muita gente injustamente.

Hoje posso dizer que já superei boa parte dos traumas a que fui exposto e lido relativamente bem com as lembranças do que foi meu período escolar. Faço tratamento psicológico e psiquiátrico e busco ocupar meu tempo com coisas úteis como trabalho e estudo. Tem dado certo. Com o passar do tempo as coisas ficaram mais claras e entendi melhor o que posso fazer em relação ao que me incomoda na vida e no mundo. Aquele ódio todo aliviou e deu lugar a outros sentimentos menos tóxicos. Minha vida ganhou gradativamente mais valor ao passo em que eu me desligava do que me fazia mal. Me ater aos compromissos que assumo, ter expectativas positivas para o futuro e agir em prol disso, cuidar bem de mim mesmo, como cuidaria de um filho ou de um irmão, são atitudes que aprendi a ter depois de tudo o que passei. Pode parecer óbvio para alguns, mas para mim não era. Deixar de lado as ideias ruins, parar de fazer coisas erradas, parar de magoar quem gosta de mim, foram passos importantes do meu desenvolvimento. E devo isso, em grande parte, ao esforço de tentar fazer a coisa certa a que passei a me dedicar.

Uma coisa que eu diria a quem foi ou é vítima de bullying, é que tudo passa. Pode parecer que o pesadelo não vai acabar nunca, mas um dia ele acaba sim. Com o tempo as fases passam e seguimos em frente. Temos sempre que enfrentar as situações que surgem em nossa vida dando o melhor de nós, fazendo tudo da forma mais inteligente e correta possível. Aja sempre da melhor forma possível para enfrentar o que lhe atormenta. Mas nada será suficiente para nos livrar totalmente do sofrimento. Então é melhor ter resignação e seguir em frente. Sempre. Quando as coisas ficarem realmente feias, procurar ajuda e às vezes tomar atitudes drásticas. Fazer o que for preciso ser feito no momento. Mas depois que tudo passar o tempo se encarregará de cobrir tudo com as areias do esquecimento. E se as lembranças forem dolorosas demais para serem apagadas, temos que nos apegar no que temos para fazer hoje. Nas nossas obrigações, nos nossos deveres. Fazer o certo mesmo que seja no piloto automático por tempo indeterminado. Mais cedo ou mais tarde as coisas mudam e a situação se torna mais favorável. Basta não parar de andar e não pisar fora da linha. Seguir sempre andando para frente e deixando o tempo fazer o seu trabalho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário