Entender
que tenho um problema e que é minha responsabilidade lidar com isso
foi um passo importante na minha vida. A primeira vez que percebi
algo errado foi ainda na adolescência, quando por volta dos 14 anos
passei a sentir uma angústia inexplicável e persistente sem razão
aparente. Nessa época cheguei a procurar o posto de saúde da cidade
onde morava para conversar com uma psiquiatra. Infelizmente na
ocasião a médica disse que meu caso não tinha a gravidade
necessária para ser tratado com ela naquele local e me recomendou
buscar ajuda de profissionais particulares. Como não dispunha de
condições e nem opções, já que não haviam profissionais
atendendo na minha pequena cidade, deixei quieto e passei a lidar
sozinho com o problema. Dali em diante tive uma vida conturbada, fiz
inúmeras escolhas ruins e coloquei minha vida em risco diversas
vezes. Sempre acompanhado de um sentimento que oscilava entre a
euforia desproporcional e a tristeza profunda e inexplicável. Segui
minha vida com um comportamento irresponsável e perigoso, lidando de
forma caótica com o que sentia e deixando os pensamentos mais
idiotas crescerem e se multiplicarem na minha cabeça. Foram anos de
decisões estúpidas e interpretações erradas do que estava
vivendo. A autodestruição era praticamente a minha principal
filosofia de vida.
Depois
de alguns episódios que já narrei aqui, entre os quais passei por
duas tentativas diretas de suicídio, sendo a segunda durante um
surto esquizofrênico, percebi tardiamente que o problema que
carregava na minha alma era sério demais para lidar sozinho e a
forma como vinha lidando com o problema até aquele momento só vinha
trazendo desgraça e tristeza para mim e para as pessoas que se
importavam comigo. Foi quando entendi a gravidade da situação e
decidi mudar de estratégia. No primeiro momento, ainda internado em
uma clínica, passei a simplesmente aceitar a ajuda que me era
oferecida pelas pessoas que estavam sofrendo junto comigo por tudo
aquilo. Resolvi abrir mão de tomar todas as decisões sozinho e dar
o braço a torcer, fazendo o que me pediam e esperavam de mim sem
questionar os métodos ou tentar adivinhar os resultados. Fiquei
nessa condição passiva por um tempo no qual foi bastante complicado
lidar com as emoções e distúrbios que causei a mim mesmo por
irresponsabilidade e burrice. Foi uma época em que reconheci que era
fraco demais para enfrentar o problema e passei a fazer tudo que as
pessoas em quem confiava, e confio até hoje, diziam para fazer. Foi
como começar a vida de novo, como passar novamente por um período
de infância no qual eu não decidia o que fazer sozinho. Era como
ser novamente tutelado por um responsável, ou, no caso, por alguns
responsáveis.
Para
minha surpresa, em alguns meses o comportamento que havia adotado em
face da situação passou a trazer alguns resultados muito positivos.
Graças a ajuda dos parentes, amigos de fé e dos profissionais que
estavam me tratando eu comecei a reagir diferentemente e, aos poucos,
o meu entendimento da situação foi se tornando cada vez mais claro.
Foi uma fase muito importante na qual passei a sentir aumentar
gradativamente a lucidez na minha mente, de uma forma que não sentia
desde o final da infância. Lentamente meus olhos foram se abrindo e
pude ver coisas que nem lembrava mais, me encontrar de novo,
reconhecer o que era realmente parte de mim e o que era causado pela
doença. Renasci.
O
quadro em que eu me encontrava inicialmente era grave mas, graças ao
trabalho de várias pessoas que me ajudaram, fui gradativamente me
recuperando e enxergando melhor tanto a mim mesmo quanto o mundo a
minha volta. Quando então comecei a perceber que era hora de
novamente assumir o controle das minhas decisões.
Já
bem melhor, mais lúcido, sóbrio e com a mente acalmada, passei a
fazer pequenas escolhas para mim mesmo. No início decidindo sobre
coisas pequenas como o uso de redes sociais e o tipo de conteúdo que
consumiria na internet de forma geral. Fiz uma grande higiene mental,
eliminei tudo que julguei, com os novos olhos, ser prejudicial.
Alimentei o que julgava ser benéfico e deixei de lado o que parecia
fazer mal. Abri mão da necessidade de solidão e sentimentos
arrogantes de auto suficiência em troca de apreciar a companhia de
pessoas importantes para mim. Enfrentei vícios e maus hábitos,
busquei evoluir no meu mundo particular. Sempre amparado pelo apoio
amoroso das pessoas e pelo tratamento, que seguia a risca. Depois de
um tempo passei a me sentir mais seguro e comecei a fazer escolhas
maiores, iniciei uma nova caminhada profissional de longo prazo,
passei a buscar conhecimento como um estilo novo de vida, reformulei
meu círculo de relações pessoais e até mesmo mudei minha visão
religiosa do mundo. Foi uma transformação completa.
Hoje
vivo uma vida agitada, cheia de compromissos e responsabilidades. Saí
da atitude totalmente passiva do início do tratamento para ser
protagonista de todas as decisões. E enfrento hoje as dificuldades
de uma vida normal de quem busca evoluir. Estou em um momento de
transição, consciente de estar criando um futuro diferente e melhor
para mim e para as pessoas que amo. Buscando da forma certa alcançar
objetivos positivos e viver bem na maior parte do tempo. Depois de
tantas escolhas desastrosas, me concentro em fazer boas escolhas, em
tentar acertar o passo e andar na linha. Cuidar de mim mesmo e de
todos a minha volta. Experimento um novo jeito de viver. Uma vida com
significado, com motivo de ser. Sem nunca abrir mão da vigilância,
sempre mantendo os cuidados do tratamento e não abrindo exceções
para comportamentos negativos. Longe de ser um paraíso, passo sim
por muitas dificuldades e enfrento diariamente uma luta contra mim
mesmo para não ceder ao desânimo e não deixar pensamentos
destrutivos proliferarem na minha mente. Mas neste momento sinto que
estou indo para um bom rumo, fazendo o que deveria ter feito desde o
início da vida. Finalmente aceitando as dores e confortos de ser uma
pessoa adulta e responsável por tudo que me acontece.
Tudo
de bom que tenho na vida hoje, toda a mudança para melhor que pude
experimentar teve início naquele momento dramático da vida em que
estava em pedaços, destruído. Foi só quando reconheci que tinha um
problema e que esse problema era grande demais para lidar sozinho,
que as coisas começaram a mudar. Precisei aceitar ajuda, aprender de
novo como viver e como ver a vida. Aceitar que não era tão bom nem
tão forte quanto julgava ser e ceder ao aprendizado. Foi preciso
aprender humildade antes de sair andando por onde eu queria. E tudo
começou com o reconhecimento do problema e a decisão de fazer a
coisa certa. Hoje estou muito melhor do que estava e quero seguir
melhorando. Meus olhos miram uma vida que é digna de ser vivida. E
tudo começou pela atitude daquele dia fatídico em que estava de mal
a pior sem saber o que seria de mim. Fiz uma escolha baseada no amor
que sinto pelas pessoas que me importo e essa foi uma das melhores
escolhas que fiz na vida. É bom tomar cuidado com as escolhas, saber
diferenciar o que faz bem do que faz mal. Custei a entender isso, foi
preciso um grande trabalho de mudança. Mas hoje é a realidade e é
o jeito como eu aconselho a todos para seguirem. Vale a pena lutar
para ver a as coisas como realmente são e fazer boas escolhas, vale
a pena aceitar ajuda e vale a pena abrir mão do que faz mal.
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