Neste
ano mudei de ideia sobre o setembro amarelo. Geralmente eu ignorava a
passagem dessa época e achava que não passava de demagogia
política. Achava besteira. Mas dessa vez, não. Acho que meu coração
amoleceu um pouco. Mudei minha percepção e passei o mês todo
aceitando todo o material que chegou até mim em função da
campanha.
Foi
uma experiência bastante interessante. Pude ler várias coisas
legais, assisti entrevistas, li panfletos e ouvi pronunciamentos a
respeito da depressão e medidas de prevenção ao suicídio. Me
deixei levar pelo clima e acabei eu mesmo produzindo alguns textos
especiais, no qual abri um pouco da minha história pessoal, para
publicar aqui. Bem interessante entrar nessa egrégora. Pude perceber
que é sim uma campanha útil, que pode surtir bons resultados. Seja
oferecendo serviços de ajuda a quem esteja buscando ou simplesmente
fomentando o debate sobre o assunto. É legal ver que os problemas
que enfrento há tanto tempo não são meras invenções da minha
cabeça, mas sim uma situação pelo qual tem-se buscado soluções
de várias formas. E para quem está do lado de dentro, basta deixar
de ser um pouco carrancudo e aceitar a ajuda que está sendo
oferecida. Me fez realmente bem ver tanta gente engajada fazendo um
trabalho sério, sem manipulação intencional para parecer herói de
uma causa nobre para ganhar likes e visualizações. Na verdade o que
mais encontrei foram pessoas falando de seus sentimentos profundos e
sinceros sobre o que passaram em suas próprias vidas ou sobre alguma
fatalidade que tenham enfrentando com alguém próximo.
Um
dos pensamentos mais neutralizadores da vontade de morrer para mim
sempre foi o significado que a minha vida tem nas vidas de outras
pessoas. O que a minha presença neste mundo provoca em gente que se
importa comigo. Sempre que me ocorre uma ideia besta, porém
incontrolável, de que morrer seria melhor do que viver, recorro a
lembrança de pessoas que diversas vezes demonstraram sofrer com as
bobagens que eu já fiz. Familiares e amigos próximos que muito além
de palavras, já me disseram com os olhos e atitudes o quanto se
importam comigo. E por essas pessoas eu sinto que devo continuar
vivendo. Não tenho o direito de matar o filho, o primo, o amigo, o
sobrinho nem o irmão de ninguém. E é exatamente isso que eu
estaria fazendo caso trabalhasse pela minha própria morte, seja numa
tentativa de suicídio de fato ou num comportamento autodestrutivo de
longo prazo. É minha responsabilidade cuidar de mim mesmo também
pelo fato de isso ser parte de cuidar dos outros. Uma pessoa que se
mata causa um ferimento enorme num círculo imprevisível de pessoas.
Muitas vezes a dor simplesmente não some nunca mais e os sentimentos
que nascem disso são terríveis demais para lidar. Um suicídio
acabada literalmente com uma vida mas, na prática, reverbera pelas
vidas de muitas outras pessoas. E é egoísmo não levar isso em
consideração quando se pensa sobre o assunto. Uma tragédia que
será lembrada por décadas e trará sofrimento a terceiros é o que
sobra na sombra do suicida.
Eu
tive um comportamento autodestrutivo por muito, muito tempo. Fiz
coisas que me arrependo e me envergonho. E tudo sempre pensando
exclusivamente nas minhas sensações e emoções, sem avaliar o
impacto das minhas escolhas nos outros. Não falo de levar em
consideração a opinião, me refiro a algo mais sutil do que isso. O
quanto os efeitos das minhas decisões interferiam na vida das
pessoas que se importam comigo? Eu simplesmente não levava isso em
consideração antes de escolher esse ou aquele caminho. Na última
vez que tentei me matar a coisa foi tão grave que até hoje,
passados quatro anos do acontecido, noto que as pessoas não foram
mais as mesmas comigo. Algo ficou marcado e não pode ser traduzido
em palavras. Eles não esquecem e posso perceber pela forma como me
tratam. Em um caso mais visível, noto em vários momentos que há
quem, inclusive, não me perdoe pelo que fiz. Considere em seu íntimo
que eu não tinha o direito de fazer o que fiz - de fato penso que
não o tinha e continuo não o tendo - e sinta um certo rancor por
mim, uma tristeza que não vai sumir. Eu magoei essas pessoas
ameaçando tirar algo importante delas. Isso causa efeitos
imprevisíveis e algumas vezes irreversíveis.
Mas
tento seguir em frente, tento fazer as coisas certas a partir de
agora. Se pequei por arrogância no passado, que sirva de lição
para não repetir o erro no futuro. Busco corrigir minhas ações ao
máximo, viver cada dia buscando acertar ao máximo cada passo e cada
decisão. Sem negligenciar os alertas que aprendi a identificar em
mim mesmo. Faço isso por mim, por ser meu dever, mas também porque
aprendi que minha vida não pertence somente a mim. Cada pessoa com
quem eu criei um laço em algum momento está envolvida nesse
emaranhado de conexões, e, sobretudo, é meu dever também zelar
pelo bem das pessoas com quem eu me importo. Calcular o efeito das
minhas decisões também na vida de quem vive a sua vida junto comigo
através do coração e da alma.
Esse
ano aceitei a ajuda vinda pelo setembro amarelo, como tenho aceitado
humildemente minhas fraquezas e necessidades. E foi uma experiência
muito positiva. Quem dera eu tivesse aceitado antes, talvez não
precisasse passar por tudo que passei. Mas é tudo vida que segue. O
que sou hoje é resultado de tudo que passei e acumulei. E se tem
algo que aprendi até aqui é reconhecer o quanto as outras pessoas
são importantes no processo todo. Seja nos impactos das minhas
decisões ou na leitura de relatos de estranhos, sempre é bom olhar
para o lado e ver que não estou sozinho. A partir daqui, planejo
valorizar o trabalho que é feito nessa época do ano e aproveitar ao
máximo tudo que chegar a mim. Porque é tudo pelo bem, e é pelo bem
que eu vivo agora.
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