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quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Relato, parte 3 (final) - O surto


Hoje vi uma amiga reclamando sobre as agruras da sua vida numa rede social. Em uma frase curta ela disse que o ano atual a estava "atropelando" e que era difícil manter a calma. Para concluir o pensamento, ela disse que estava sentindo como se estivesse se equilibrando numa linha tênue entre a sanidade e um surto psicótico. Ler aquilo me fez ter uma erupção de pensamentos. “Ter um surto” é algo que, infelizmente, eu compreendo bem do que se trata. Eu já tive um surto, uma vez, tempos atrás. Causado pela combinação explosiva de altos níveis de estresse com um tipo bastante irresponsável de automedicação. O médico que me tratou, depois de passada a crise, disse ter sido um surto esquizofrênico, o que imagino ser tão grave quanto o dito psicótico. Sinceramente, não tenho conhecimento sobre as características que possam diferenciar um surto esquizofrênico de um surto psicótico. Não sei até que ponto o que a minha amiga disse em suas redes sociais é fidedigno à realidade e o tanto que pode ser exagero melodramático mas, pelo menos pra mim, qualquer aproximação com o risco de um surto dispara uma avalanche de lembranças e emoções sensivelmente estomacais. Qualquer possibilidade de rumar para uma situação daquela novamente, por menor que seja, ativa em mim todos os alarmes possíveis.

O dia em que surtei foi o pior dia da minha vida. Eu vinha, já havia alguns anos, lidando com uma quantidade de problemas e desfechos muito mais pesados do que eu julgava ser capaz de suportar. A vida pessoal, financeira e profissional eram torturantes na maior parte do tempo. Eu experimentava pressão familiar em alto grau para que ganhasse mais dinheiro e mudasse meu jeito de ser, coisa que todas as famílias, creio, fazem com seus jovens. O que não reduz o tamanho do problema, já que de forma alguma o fato de todas, ou quase todas, as famílias fazerem algo torna correta a prática. Na vida financeira eu estava atado a dívidas que comiam quase todos os rendimentos mensais, rendimentos esses fruto de um trabalho que me destruía física e psicologicamente. Aliás, muito provavelmente tenha sido o meu trabalho o principal catalisador para tudo o que aconteceu.

Me formei em Ciência Política, e, desde antes da conclusão do curso já trabalhava com politicagens. Só a descrição da minha profissão já daria um grande texto explicativo assustadoramente explícito. Mas, para evitar maiores delongas, me restringirei a dizer que o trabalho consiste em algo onde aquilo que acontece nas teorias de conspiração acontece de verdade. Participar e me proteger de conspirações é basicamente o conhecimento básico da função a desempenhar. Isso associado ao mau caratismo, à inveja e à soberba da maioria das pessoas com quem tinha de lidar diariamente, durante anos, provocou diversos ferimentos graves no meu psicológico. A política, e, por relação, o poder atraem o que existe de pior entre as pessoas. Todo tipo de psicopata, canalha, arrogante, mentiroso e oportunista encontra um lugar confortável no meio político. Eu chamava meu ambiente de trabalho de “manicômio” e “masmorra das vaidades”, como forma de tentar nomear o que eu via. Era constantemente vítima de injustiças e/ou testemunha de algum evento amargamente injusto contra alguém. A burrice e a falta de caráter sendo premiada na mesma proporção que a honestidade e a bondade eram ridicularizadas. Uma convivência diária com pessoas absolutamente asquerosas, cruéis e movidas por inveja, com raríssimas exceções. Aliás, exceções essas que enfrentavam um sofrimento certamente semelhante ao meu. Preso à dívidas e a expectativa familiar de um futuro digno, os dias pareciam uma pena, um castigo sem perspectiva de fim. Minha vida era suportar pressão enquanto era torturado psicologicamente em todos os aspectos possíveis. Não era de se estranhar que tivesse um comportamento depressivo, que pensasse na morte como um alívio, que tivesse sérias dificuldades para dormir, que abusasse de álcool. Uma vida miserável, de fato. Mas, como diz a regra de Murphy, nada é tão ruim que não possa piorar.

O cenário externo não era lá dos melhores, mas o problema mais grave era interno. Já faziam anos que enfrentava um quadro depressivo, com algumas tentativas frustradas de tratamento e muitas escolhas erradas. De fato, abandonar o tratamento talvez tenha sido uma das escolhas mais estúpidas que fiz. Dentro da minha cabeça o estado das coisas era terrível. Os pensamentos eram acelerados, desordenados, um caos que parecia uma sequência de explosões. As imagens se formavam com grande velocidade, as emoções eram totalmente bagunçadas, sentia ondas de sensações misturadas e exageradas durante todo o dia, acompanhadas de imagens mentais que simulavam possibilidades do que poderia acontecer comigo e relembravam situações na maioria desagradáveis. Como uma TV onde passam predominantemente programações perturbadoras, mudando de canal em altíssima velocidade. Aliás a alegoria da televisão é propícia devido a outro fato, como pano de fundo das imagens e sensações havia uma coisa que eu chamo de “ruído”. Era como se minha mente emitisse uma certa frequência, parecido com aquele barulho que os aparelhos televisores antigos faziam quando estavam ligados mas não sintonizados em nenhum canal. Não falo sobre o chiado, mas um som bem sutil que saía das velhas TVs de tubo simplesmente por estarem ligadas, um zumbido baixo e constante. Eu sentia e ouvia esse ruído o dia inteiro, às vezes quando me concentrava nele podia percebê-lo com mais clareza, ao ponto da mente formar imagens de milhões de insetos andando uns sobre os outros. Mas, no geral, enquanto estava acordado eu experimentava as ondas de atividade mental todas tendo como pano de fundo, esse ruído. E tudo ficava ainda pior na hora de dormir. Desde criança sofro com distúrbios do sono, insônia, episódios de terror noturno, apnéia e paralisia do sono, síndrome das pernas inquietas... Um kit bastante completo de empecilhos para o descanso. Isso somado a ondas e mais ondas de pensamentos e sensações totalmente fora de controle, ideias auto destrutivas, paranoia, medo, angústia, preocupação. Eu simplesmente não conseguia descansar, desligar das situações de cobrança e estresse do dia a dia. E dentro da minha cabeça, tudo reverberava em looping, sendo seguidamente interrompido por estímulos externos e internos.

Ao longo dos anos os problemas e motivos para sentir frustração aumentavam e se acumulavam, e eu achava formas particulares de lidar com a situação. Quando algo me dava prazer, geralmente cometia com aquilo muitos excessos. Tinha uma sede constante e crescente por alívio. Tentava controlar a mente através de experiências religiosas, místicas, meditação, arte. Desenhava nas paredes do meu quarto, pintava telas, escrevia textos de desabafo. E assim levava a vida, entre os tormentos do lado de fora e a sala de torturas do lado de dentro da mente. Achando meios de seguir em frente lidando com cada vez mais e mais infortúnios. Pode parecer uma descrição exagerada, mas não é. A capacidade humana de suportar e resistir é verdadeiramente impressionante. É possível se acostumar com condições absolutamente insuportáveis para os conceitos de normalidade. A resiliência, por vezes, parece infinita, embora não seja. Existe um limite para o que pode ser tolerado, e infelizmente eu encontrei o meu. Como descreverei logo adiante.

Quando estava já no que acredito ser o auge do sofrimento rotineiro, comecei a buscar formas mais extremas para lidar com o que sentia. Queria algo com efeito prático, alívio imediato. Foi quando comecei com os experimentos químicos. Descobri e fiz uso de diversas medicações compradas de forma irregular, fruto de especulação e avaliações equivocadas dos efeitos. Calmantes, relaxantes musculares, analgésicos, remédios com efeitos colaterais psico ativos. Tudo regado a muito álcool. Cheguei a fazer uso de uma substância apelidada de “droga dos músicos de orquestra”, o cloridrato de propanolol, que, pelo que diziam nos fóruns era uma substância desenvolvida para pessoas que não podiam se expor a emoções fortes e agia reduzindo a atividade emocional. Os músicos tomavam super doses deste medicamento para evitar ficarem nervosos nas apresentações e isso atrapalhar o seu desempenho. Comprei algumas cartelas dos comprimidos e passei a buscar a dose ideal através da tentativa e erro, não deu certo. O ruído continuava, as ondas de pensamentos continuavam, e as emoções não sumiam, só ficavam ainda mais confusas. Foi quando decidi extrapolar.

Após algumas pesquisas na internet, conversas com amigos entendidos e umas experiências empíricas, concluí que o uso periódico de maconha poderia me ajudar a enfrentar as situações tortuosas que configuravam minha rotina. Usando a droga, que quase todos diziam ser segura, como um calmante para alguém que vive nervoso. Essa foi, talvez, a escolha mais estúpida que já fiz na vida toda.

Passei a usar a erva como bengala toda vez que sentia que a situação precisava de uma válvula de escape. A maconha tem um efeito psicodélico, altera as percepções, cria sensações e imagens mentais que parecem experiências místicas, simulam interações com forças da natureza que parecem, por vezes, verdadeiras viagens cósmicas. Sinestesia, hipersensibilidade dos sentidos, analgesia, parecia tudo muito espiritual, muito etéreo. E nem sempre eram sensações positivas, frequentemente o processo era substancialmente angustiante e assustador. O pico do efeito se dava poucos minutos após aspirar a fumaça e a “viagem” toda levava cerca de uma hora, as vezes um pouco mais noutras um pouco menos. Ao final, restava uma sensação de relaxamento e calma muito agradáveis. Como uma paz interna silenciosa e confortável após uma tempestade. Essa sensação de paz me trazia um alívio indescritível em relação às ansiedades e frustrações. Era como jogar água fria sobre a pele em chamas. Minha mente se acalmava, o ruído sumia, os problemas pareciam menores e ocupavam menos espaço na mente. As coisas ruins, os tormentos, os pensamentos negativos continuavam lá, mas pareciam bem menos importantes. Havia silêncio. E era uma sensação relativamente duradoura, permanecia por três, quatro dias. Às vezes levava uma semana para o ruído voltar. Parecia que tinha finalmente encontrado a solução que tanto busquei. E por causa dos depoimentos de usuários de longa data, que afirmavam levarem suas vidas normalmente com a maconha como complemento, acreditei que o alívio tinha chegado para ficar. Acreditei ter encontrado uma solução como a que esperava, direta e eficiente para a minha condição. A prótese que supria minha deficiência. Não podia estar mais enganado.

Como muitos sabem, um dos efeitos do uso de substâncias psico ativas é o aumento da resistência aos efeitos, exigindo doses cada vez maiores e com maior frequência para obter o mesmo resultado. Quer dizer, chamar de mesmo resultado é exagero. Os efeitos das primeiras vezes nunca mais se repetem com a mesma intensidade, no máximo se consegue uma versão próxima do que foi. Embora a esperança de repetir a experiência seja permanente, ela é infundada. E isso leva a progressivamente a aumentar o uso, tanto na quantidade de substância a ser consumida quanto na frequência com que deve ser usada. Somado a isso, que acredito ser de conhecimento até mesmo do senso comum, existe uma outra contraindicação no uso de maconha que nunca tinha visto ninguém falar: O uso periódico reduz a importância que o usuário dá para tudo que acontece com ele. Conforme o tempo passa, eu me tornava cada vez menos preocupado com tudo o que me acontecia. O que devia irritar já não irritava, o que devia entristecer não entristecia. Uma sensação de neutralidade crescente se formava e aos poucos tomava conta da minha personalidade. Isso pode parecer uma vantagem diante da vida que eu levava, mas de fato não é. É preciso lidar com os problemas, ignorá-los não faz com que desapareçam. Não se importar pode parecer positivo quando se tem que lidar com canalhas no dia a dia mas, começa a ser um problema quando a memória começa a falhar e isso não vira alvo de preocupação. Ao longo do tempo, eu supri minhas necessidades emocionais com o uso da erva, e me tornei um usuário crescentemente resistente aos efeitos. Se por um lado eu entrava em embates cada vez mais audaciosos no trabalho sem dar a mínima para as consequências, por outro me tornara incapaz de escrever uma resenha sobre um filme que acabara de assistir. Ao passo que a droga me possibilitava experiências sensoriais intensas, elas não formavam lembranças. Eu ficava dia após dia cada vez menos consciente do mundo ao meu redor e definitivamente não me importava com isso. Isso afetou minhas relações, me levando a escolher a companhia de pessoas de má índole ou que simplesmente não nutriam por mim qualquer respeito ou apreço. Não apenas no trabalho, mas também na vida pessoal. Estava cada vez mais cercado de pessoas más, peçonhentas. Me expunha a situações perigosas, frequentava ambientes perigosos, tinhas ideias erradas sobre como lidar com os problemas usando meios moralmente condenáveis. Tudo sem me importar com nada.

Com cada vez mais frequência, diante dos graves problemas com que tinha de lidar, eu consumia mais e mais erva. Os problemas eram cada vez mais complexos, mas minha forma de lidar era sempre a mesma: me chapar. Aquilo havia se tornado um grande estilo de vida, muito mais do que o desejo inicial de usar apenas como uma medicação. Como remédio o efeito foi realmente o esperado, eu passava pelas situações com uma tranquilidade sobrenatural, parecia inabalável. Tomava decisões difíceis sem pestanejar, e relaxava como nunca quando descansava. Digo quando descansava porque a insônia havia voltado, e para tentar remediar eu fumava mais ainda. Era comum dormir uma ou duas horas por noite. Passava as madrugadas drogado ouvindo música ou assistindo vídeos aleatórios na internet. Apesar da falta de sono, eu me sentia forte diante dos desafios. Nada era intenso o suficiente para me aborrecer. Parecia ter encontrado um segredo do mundo, uma solução mágica para lidar com o sofrimento diário de uma vida frustrada. Mas o destino não tardou em traduzir meu erro.

Minha relação com a maconha durou três anos, entre pausas e usos exagerados. Quando, num belo dia, a própria forma despreocupada com que vinha levando a vida me conduziu a um local onde fui cercado de hostilidade por pessoas que não conhecia. Vou omitir maiores detalhes do que ocorreu para não dar qualquer destaque as miseráveis almas com que eu compartilhava espaço naquele dia. Mas deixo claro que as atitudes deles para comigo foi o que desencadeou a série de eventos que culminou com o que se seguiu. Etava na casa de uma pessoa que julgava erroneamente ser minha amiga, com outros convidados, quando por algum motivo que desconheço alguns presentes passaram a ser hostis comigo, provocarem e ofenderem sem razão. Eu estava sob efeito de álcool e maconha e tudo fica ampliado quando se está bêbado e chapado. Ser mal tratado por estranhos foi como acionar o detonador de uma bomba que a muito estava preparada para explodir. Todo estresse do trabalho e da vida em geral, todas as frustrações, todos os jogos no qual eu estava metido, todas as madrugadas acordado, toda a maquiagem que a droga fez na situação verdadeira dos meus nervos, tudo explodiu de uma só vez. A realidade se tornou algo terrível demais para trazer aqui em palavras e eu tive o tal surto. As lembranças daquele dia ocupam na minha mente um espaço muito maior do que eu gostaria que ocupassem. Momentos de terror que espero tenham sido um episódio único nessa vida e nunca mais cheguem sequer próximo de se repetirem. Cercado de ações naturalmente assustadoras e reais, aquelas pessoas estavam mesmo agindo daquele jeito, tinham os seus efeitos ampliados exponencialmente na minha percepção, me levando ao pânico completo. Foi ali que aprendi ser possível “quebrar” uma pessoa, como se fosse vidro. Não importa a resistência que ofereça, com pressão suficiente a estrutura vai certamente se partir. E quando quebra, uma pessoa não consegue usar seus sentidos direito, nem seus pensamentos, nem nenhuma de suas faculdades. É como uma pane geral no sistema central. Como um computador infestado de vírus e softwares maliciosos que opera com a plenitude de seu potencial, porém absolutamente desordenado, com funções corrompidas. Eu lembro de tudo o que aconteceu, lembro do que senti e do que pensei na hora, das conclusões absurdas que tive. Tudo o que as pessoas que estavam lá realmente fizeram em detrimento ao que eu interpretava estar acontecendo. A experiência mais apavorante de toda minha vida. A própria realidade, o mundo real, vira um pesadelo que parece não ter fim e a mente sugere soluções gradualmente mais e mais drásticas para enfrentar as situações que os delírios fazem parecer absolutamente reais. A experiência foi intensa o suficiente para mudar minha vida. Vida que, diga-se de passagem, por pouco não perdi.

Hoje meu corpo, assim como minha alma, carregam cicatrizes do que vivi naquele dia. Foi como nascer novamente. Surtar é uma experiência indescritível, intraduzível em palavras. De repente a própria realidade é substituída por outra, na qual as coisas que fazem sentido são terrivelmente distorcidas. Eu tinha uma certeza absoluta do que havia concluído, não tinha espaço para qualquer dúvida. Estava incrivelmente equivocado no que considerava concreto, mas não tinha qualquer pensamento que levasse a crer o contrário. Por mais absurda que fosse a situação que eu acreditava estar inserido, naquele momento era a mais pura realidade. E eu precisava morrer. Minha morte era a única solução possível, a única coisa a se fazer. O único desfecho honroso e útil, a única forma de combater o mal. Por isso perfurei diversas vezes o meu pescoço e o pulso esquerdo, usando a ponta de uma faca de mesa. As perfurações, apesar de graves, miraculosamente não atingiram nenhuma artéria. Mas foram profundas o suficiente para me fazer sangrar quase até não haver possibilidade de sobreviver. Foram umas duas ou três horas sangrando em parar, encharcando o colchão da cama onde estava. Estar encharcado do próprio sangue é inesquecível. A dor, o fedor, a viscosidade grudenta, o rio quente que brota da ferida e escorre pela pele, o som das gotas de sangue pingando. Os pensamentos cooperando para que tudo ocorresse daquela forma. A sensação do corpo estar pouco a pouco se tornando apenas carne fria acompanhado da convicção de estar fazendo a coisa certa.

Fui hospitalizado, levado para a emergência. Passei um pequeno pesadelo no hospital por conta de umas mentiras ao meu respeito que a pessoa que me levou até lá contou pra tentar se safar da responsabilidade do que ajudou a fazer. Mas no final das contas sobrevivi, e, após um período de reabilitação de mais ou menos um mês, no qual fiquei internado numa clínica boa e digna, voltei para casa. Estava traumatizado ao ponto de ver inimigos me perseguindo em todos os cantos. Achava que meu celular estava grampeado por inimigos que me perseguiriam até a morte. Se via um técnico mexendo no poste de luz em frente de casa já imaginava que eram meus inimigos instalando escutas. Não conseguia ver qualquer cena de violência na TV que ficava totalmente perturbado. Estava totalmente paranóico e desesperado. Parecia que tinha ficado louco de vez e que nunca mais teria paz. Depois de sair da clínica fiquei ainda dois meses afastado do trabalho, delirando em casa. Mas foi aí que iniciei novamente o tratamento para meus problemas psicológicos. Frequentava psiquiatra e psicóloga semanalmente, me abstinha de qualquer bebida alcóolica e buscava encontrar junto com o médico a dose certa do remédio certo. Com o pausa forçada na rotina e por conta de um tratamento iniciado ainda quando afastado, aos poucos os efeitos colaterais do ocorrido foram ficando mais suportáveis. Quando uma pessoa quebra como eu quebrei, é preciso reconstruir certas estruturas para poder seguir em frente. Com muito cuidado e empenho, cuidei de aproveitar a oportunidade de tratamento que me foi oferecida ao máximo, seguindo à risca todas as orientações e não cedendo a pensamentos de desistência e desânimo. Fazia o certo, o que devia ser feito. E não o que me sentia compelido a fazer. Foi um tempo de recuperação muito intenso no qual praticamente tive outro nascimento. Eu reconhecia que estava desequilibrado, podia notar a loucura em mim, mas desta vez queria fazer a boa escolha. Queria combater o que tinha de errado comigo. Queria fazer a coisa certa.

Foram meses de tratamento até que pudesse realmente me acalmar e aprender a lidar com as memórias do que tinha acontecido. Aos poucos a paranóia foi diminuindo, o medo generalizado foi sumindo e fui gradualmente voltando ao normal. Depois de um tempo pude voltar ao trabalho onde retomei as rotinas e obrigações e passei a lidar de forma sóbria com tudo que acontecia. Reduzi o contato com as pessoas que me faziam mal o máximo que pude e passei a trabalhar minha mente para não levar os problemas do trabalho para casa. Deixava para resolver no dia seguinte o que podia e combatia os pensamentos de preocupação. Fazia psicoterapia duas a três vezes na semana, tomava religiosamente os remédios, buscava dormir o mais cedo possível, cuidava de mim. Aceitei a ajuda das pessoas a minha volta que se preocupavam comigo, tentei me redimir por ter sido um idiota e ter feito tantas coisas erradas. Encarei como uma chance de fazer um recomeço. Uma oportunidade de abandonar o erro. E segui melhorando aos poucos.

Hoje posso dizer que superei razoavelmente bem tudo o que aconteceu e levo uma vida muito mais equilibrada e saudável. Me tornei outra pessoa. Faço uso contínuo de medicamentos prescritos pelo médico e faço tratamento psicológico uma ou duas vezes por semana com a mesma psicóloga que me ajudou desde que tive a crise. Os problemas continuam, os infortúnios continuam, a super atividade mental continua. Mas mudei a forma de enfrentá-los. Os remédios ajudam com os problemas do sono e finalmente consigo dormir com certa normalidade. O ruído também desapareceu em função da medicação certa. Desenvolvi aversão a qualquer sensação de embriaguez, me abstenho de ingerir qualquer substância que mexa na percepção. Sou um viciado em lucidez e enfrento as situações com a cara limpa e a coragem. Nunca fui ateu, mas me tornei sensivelmente mais religioso, na mesma proporção em que me tornei mais reservado. Seleciono cuidadosamente as pessoas com quem me relaciono e jamais me ponho em situações de risco desnecessário. Enquanto escrevo esse texto já me distancio quatro anos daquele dia fatídico do surto. Fui promovido, derrotei diversos canalhas que desapareceram da minha vista no trabalho. Voltei a estudar e ocupo minha mente com tarefas e leitura, muito mais do que com qualquer outra coisa.

Julgo ser hoje uma versão de mim mesmo muito melhor do que fui no passado e, dessa vez, com a perspectiva de melhorar ainda mais com o passar do tempo e das histórias. E tenho um cuidado extremo comigo mesmo, para me manter o mais longe possível de qualquer fronteira com a insanidade ou surtos de qualquer natureza. Fico atento aos desânimos e preguiças que surgem, ao mau humor, às insônias e aos medos e tristezas súbitas. Tudo que me parece desviar do caminho. Não negligencio mais nada em mim mesmo e busco lidar da melhor forma possível. Busco estar bem, tão bem quanto possível, o máximo de tempo que consigo. E não faço mais das frustrações o cenário predominante da minha vida. O que de ruim acontece, busco aceitar e ver da forma menos sofrida, tento achar meios para entender o que acontece e busco reagir positivamente. Muito, muito longe de ser uma vida perfeita, mas tento fazer as coisas certas. Tento me cuidar e manter a cabeça limpa de qualquer coisa que possa me fazer mal, sejam pensamentos tóxicos ou substâncias tóxicas.

Engraçado como tanta coisa pode caber num relâmpago de pensamento como o que eu tive lendo a postagem da minha amiga. Gostaria de fazer ela saber que o receio dela em surtar é bem mais real do que ela provavelmente pensa. Gostaria que todos pudessem saber disso. Humanos quebram sobre pressão, uns precisam de mais pressão, outros de menos. Mas todos quebram. E é prudente cuidar para que isso não aconteça. Saber identificar e medir os indícios do quanto o risco de surtar está próximo e lidar com eles de forma a se afastar da fronteira do surto. A vida é cheia de problemas e coisas desagradáveis. As perspectivas de futuro quase nunca são as ideais e quase todos os caminhos são tortuosos. É preciso encontrar sua própria forma de lidar com o sofrimento de forma a não deixar ele dominar sua mente, sua vida. É preciso cuidado para não quebrar. Mas, se quebrar, é preciso ter força para se reconstruir. Aceitar as ajudas que surjam e reconhecer a fraqueza diante da situação. Querer melhorar e tomar atitudes para isso. Fazer o que é certo e esperar que o tempo passe e tudo se ajeite. Foi assim que aconteceu pra mim e assim me tornei a pessoa que sou hoje.

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