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quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Relato, parte 1 - Algo errado


A primeira vez que eu senti que havia algo errado comigo foi na adolescência. Antes disso não me lembro de notar nada que chamasse a atenção. Fui uma criança saudável, tive uma infância boa na qual não me faltou absolutamente nada. Passei os primeiros anos de vida de forma bastante normal, embora sempre tenha manifestado uma personalidade um pouco excêntrica e enfrentado bullying na escola. Por ter desde sempre um certo gosto pela solidão, passei bastante tempo me entretendo com atividades solitárias como leitura, videogames, assistir filmes ou ouvir música. Conforme fui crescendo esse hábito se consolidou e me tornei um adolescente um tanto reservado, que gostava de ficar sozinho com suas coisas. Passava os dias entre compromissos escolares e os devaneios vindos da TV, rádio, livros e revistas que consumia com voracidade. Por isso, ninguém nunca notaria uma mudança de motivação para o meu comportamento solitário. Com poucas, porém boas, amizades, notei por volta dos 15 anos que nutria um sentimento confuso no peito. Um vazio, uma certa tristeza sem motivo claro. Uma angústia permanente cuja intensidade variava de acordo com o dia. E por isso passei a me isolar ainda mais do mundo, o que não foi percebido por ninguém, já que todos que me conheciam estavam acostumados a me ver curtindo momentos sozinho. Mas aquilo era diferente, era ruim, bem ruim, me trazia sofrimento. Já não sentia mais alegria nas coisas que fazia.

Graças aos amigos, encontrei na música uma poderosa válvula de escape para esse sentimento. Descobri estilos musicais como o metal extremo e inúmeras variações de gothic, o que me proporcionou uma grande jornada por sensações muito intensas. Ao ponto de imergir na estética e assumir uma aparência relacionada à essa cultura. Minhas roupas passavam a traduzir minha percepção do mundo, sempre de preto e usando adereços agressivos. Cabelo comprido, coturnos, camisetas de banda, braceletes pontudos, caveiras… Vesti uma carapaça e tinha me tornado um típico metaleiro.

Lembro de ter procurado ajuda médica uma vez nessa época, no posto de saúde da cidade pequena em que morava. Uma médica psiquiatra mau humorada que ficava digitando no computador enquanto eu falava sobre a sensação constante de que algo ruim ia acontecer, sobre não conseguir dormir a noite e sobre a tristeza sem motivo que as vezes me derrubava na cama por dias. Falei tudo o que sentia e ao final ouvi que aquele serviço que ela prestava não era para esse tipo de caso. Que estava ali para atender casos graves em que as pessoas estejam se colocando em risco ou aos seus familiares. E recomendou que eu procurasse uma clínica particular para fazer psicoterapia. Como não havia opções na cidade e não tinha comentado sobre a iniciativa de procurar um psiquiatra com meus pais, resolvi esquecer o assunto.

Foram anos naquela situação, sempre com permanente sensação de que havia algo errado acontecendo no meu interior. Então, por imaturidade, resolvi encher a vida com tudo que pudesse me ajudar a extravasar. Desde os já referidos estilos musicais, prática de artes marciais até incontáveis excessos cometidos com comida e consumo de álcool. Foi nessa época que fiz os primeiros ferimentos intencionais em mim mesmo. Cicatrizes de arranhões e queimaduras de cigarro começaram a povoar minha pele em partes onde as roupas cobriam. Meu comportamento se tornou gradualmente mais e mais desajustado, inconsequente ao ponto de pôr minha vida em risco diversas vezes. Posso dizer que vivi o mais intensa e irresponsavelmente que pude até, quando, por volta dos 22 anos, comecei a trilhar um caminho substancialmente ainda mais perigoso. Além dos excessos de sempre, havia me envolvido com uso de drogas como remédios, chás alucinógenos e cocaína. Me julgava ser um “surfista das ondas cerebrais”, deslizando entre as sensações causadas pelas substâncias, explorando os estados alterados de consciência. Isso somado ao interesse que nutria desde a infância por ocultismo e magia me levaram a uma espiral negativa de práticas cada vez mais degradantes. Me tornei conhecido em certos meios que frequentava por episódios de uso excessivo de psicoativos e violência, brigava na rua e me drogava como se fosse um estilo de vida. Através do estudo e prática de rituais ocultistas acabei me vinculando a certos grupos organizados e cheguei a ter seguidores, garotos e garotas que gostavam dessas coisas e viam em mim uma liderança. Com o passar do tempo me tornei mais e mais popular pelas coisas que me dedicava a fazer, enquanto afundava cada vez mais em sombras. Os ferimentos auto infligidos pioravam em gravidade a cada episódio, tendo evoluído de arranhões para profundos cortes feitos com estiletes e queimaduras com metal quente. Minha vida havia se tornado um buraco onde eu cumpria horário na empresa em que trabalhava, no qual meus tios eram proprietários, e gastava o resto do tempo entre atividades condenáveis e com péssima motivação. Entrei e saí de diversas situações de risco enquanto meu corpo se deteriorava pelos excessos e pelo uso frequente de substâncias tóxicas. O consumo de álcool era diário, não dormia sóbrio praticamente nunca. Drogas, fast food, violência, ocultismo, automutilação, lugares e ocasiões perigosas, más companhias… não demorou até que ocorresse a primeira tentativa de suicídio.

Um dia, sentado sozinho e de cueca no sofá do apartamento onde morava, muito bêbado, estiquei as pernas sobre uma cadeira e comecei a cortar minhas coxas com muita força, fazendo cortes muito profundos que escorriam em abundância, criando uma poça no chão. Foram cerca de dez ou doze cortes nas duas pernas, feitos com um estilete muito afiado. O sangue corria em rios grossos e quentes pela pele e se acumulava do chão de tacos, soltando um forte cheiro característico. Não tinha intenção de me matar, apenas fiz o que senti vontade naquele momento e fiquei observando a obra em silêncio. Em função da profundidade dos cortes, o sangramento não reduzia. E eu, em um estado alterado pelo álcool, apenas apreciava o momento. Depois de uns vinte minutos peguei no sono e dormi naquela posição, sentindo o calor dos ferimentos e do sangue na pele. Acordei quatro horas depois e ainda estava sangrando. Minha mente estava um pouco mais clara e rapidamente levantei. A poça no chão estava enorme, e coagulada, parecendo um pudim vermelho. Andei até o banheiro e liguei o chuveiro. Enrolei uma toalha de rosto e pus na boca. Com muita força de vontade esfreguei os cortes com sabonete e suportei a dor urrando enquanto mordia o tecido fofo da toalha. Senti a vista escurecer e as forças faltarem quando caí derrubando a porta do box, que por sorte não era de vidro. Fiquei deitado no chão por alguns minutos e comecei a beber a água morna do chuveiro. Quando a tontura passou, levantei com alguma dificuldade e tentei pôr a porta do box no lugar. Caí novamente e fiquei mais um tempo no chão, descansando. Quando levantei me mexi devagar e deixei a água escorrer sobre os cortes das pernas. Desliguei o chuveiro e saí. Enfaixei as pernas com as ataduras que usava nas aulas de boxe tailandês, bem apertado, e o sangramento parou. Me vesti e fiquei sentado, trêmulo, esperando dar a hora de ir para o trabalho. Comi alguma coisa e saí. Tive que ajustar as faixas algumas vezes durante o dia, a calça preta ficou manchada pelo sangue que transpassou em alguns pontos. Ao final do dia voltei para casa e limpei toda a sujeira que estava seca deixou uma mancha enorme no sofá.

Mesmo que sem a intenção clara de me matar, hoje entendo que aquele episódio foi minha primeira tentativa concreta de suicídio. Embora estivesse levando uma vida que era visivelmente auto destrutiva e por diversas vezes tenha escapado de morrer em situações que eu mesmo criei, considero chamar de tentativa de suicídio somente as vezes em que a causa da morte fosse diretamente uma ação minha, e não as circunstâncias em que me coloquei.

Depois dos cortes nas coxas, que demoraram bastante para cicatrizar, comecei a julgar minha vida um erro e tentar em vão achar uma saída para a angústia que eu sentia. Minha tia notou que meu desempenho no trabalho estava indo de mal a pior e tentou me ajudar. Pagou algumas consultas com um psiquiatra conhecido dela que me receitou antipsicóticos e antidepressivos. Por questões que até hoje não entendo, ele entendeu meu fascínio por ocultismo e espiritismo como algum tipo de alucinação e me receitou remédios fortes, usados para quem vê coisas que não existem. Um equívoco. Fiz o tratamento por um tempo e acabei sendo afastado do trabalho. Então minha vida mudou drasticamente. Minha família não sabia da tentativa de suicídio nem do uso de drogas, mas percebeu que eu não ia bem sozinho. Foi quando voltei a morar com minha mãe e passei a receber amparo familiar. Mudei de cidade, me afastei de todos que compartilhavam aquele mundo autodestrutivo comigo, deixei de lado o ocultismo e parei com as drogas. Me isolei de todos que não fossem minha família ou amigos muito próximos. Fiquei em torno de um ano e pouco recebendo auxílio estatal para tratamento médico, mas o quadro em que eu estava não evoluía. Embora tivesse abandonado a vida perigosa de violência, rituais mágicos e drogas ilícitas, afastado do trabalho eu passava o dia todo em casa medicado, fumando cigarros e esperando o tempo passar. Minha mente parecia uma tempestade furiosa de pensamentos e eu não via qualquer perspectiva de futuro. Com um currículo profissional pobre, pouca experiência e nenhuma possibilidade de estudar ou crescer, eu via um futuro cada vez pior se formar na minha frente. Minha família nunca foi rica, sempre foi preciso muito sacrifício para ter o necessário. E eu, aos vinte e poucos anos, não via qualquer possibilidade de me sustentar ou evoluir de qualquer forma que fosse. Desempregado, doente, sem perspectiva, com uma visão pessimista e catastrófica da vida. Eu estava no fundo do poço e sentia que as coisas só iriam piorar com o passar do tempo. Naquele momento, o ódio que eu sentia do mundo havia dado lugar a uma densa tristeza. Eu não via significado em continuar vivendo.

Mas tinha algo bom naquele inferno, que eram as pessoas que me cercavam e se preocupavam comigo. Que insistiam para eu reagir e me davam ideias de como melhorar. Torciam por mim. Foi nesse momento tenebroso mas em que pude contar com pessoas especiais que começou a jornada que contarei aos poucos em postagens futuras. A partir do momento em que tudo na minha vida passou a ser sobre buscar melhorar e ter uma vida decente, com o apoio da minha família e de alguns poucos amigos que nunca desistiram de mim. Como primeira impressão, deixo essa breve introdução da forma como conto a minha história para que, talvez, sirva para ajudar alguém que se identifique. Hoje tenho 38 anos recém feitos e superei boa parte dos desafios que me surgiram. Vivo uma vida muito mais equilibrada e com fundamento. Lido muito melhor com o vazio que existe dentro de mim, e gostaria de contar como tudo aconteceu além de compartilhar como tem sido experimentar a vida sob uma ótica mais madura e sã. Daqui para frente, as aventuras se tornam ainda mais íntimas. E deixo aqui o convite para que você participe desta viagem.

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