Os
meses se arrastavam comigo naquela condição deplorável. Família e
amigos faziam tudo que podiam para ajudar mas eu simplesmente estava
preso naquela condição. Deprimido em tempo integral. Por vezes
ainda tomava alguns porres, mesmo tomando medicamentos controlados. O
que entristecia as pessoas que gostavam de mim. Mas não tinha o que
fazer, eu não estava no comando de nada na minha vida e vez por
outra decidia que me entorpecer de álcool era a melhor coisa a se
fazer.
Por
intermédio da minha mãe, iniciei tratamento com um outro psiquiatra
e fiz também algumas seções de análise. Mas não era
comprometido, não tomava os remédios nos horários certos, bebia,
faltava às sessões com a psicanalista. Desperdiçava todo esforço
que era feito por mim. E passava os dias afundado em pensamentos
tumultuados e autopiedade. Por estar sem trabalhar e não estar
cursando nada, me sentia um inútil, a vida não tinha sentido. Eu
não via perspectiva de melhora nas minhas condições e esperava
cada vez menos de mim mesmo.
Em
um momento de desespero, pedi para ser internado em alguma clínica.
Pensei que precisava de um tratamento mais intenso do que repouso e
medicamentos, e achava que encontraria isso numa internação. Depois
de procurar bastante, acabamos encontrando um lugar em que poderia
ficar. Um grande e antigo hospital psiquiátrico que atendia pelo
sistema público de saúde. Foi uma das piores experiências da minha
vida.
Por
ser novato, fiquei na ala de contenção, juntamente com algumas
dezenas de homens nas mais variadas condições mentais. O ambiente
era extremamente desconfortável. Usando roupas velhas e sem dono,
dadas pelos enfermeiros, cercado de lunáticos e viciados de todos os
tipos. Encarcerado em uma pequena casa com grades no meio do quintal
do hospital. Fiquei sabendo que a “segurança” do local era feita
pelos próprios internos, um grupo de homens que agrediam fisicamente
quando a administração julgasse necessário. No quarto em que
fiquei com outros vinte havia um sujeito que os internos acusavam de
ter tentado estuprar a própria irmã. Pessoas escorrendo saliva,
presas em um comportamento repetitivo diante da parede, andando de um
lado para o outro sem motivo, banho coletivo, refeições dentro de
um pote somente podendo usar uma colher, internos agindo a serviço
do hospital dando ordens para se levantar, comer, tomar banho...
Passei dois dias e uma noite naquele lugar e, por obra da providência
divina, os enfermeiros gostaram do meu comportamento e permitiram que
recebesse a visita da minha mãe logo no segundo dia, o que não era
o procedimento padrão. Fui informado que o isolamento era de, no
mínimo, 7 dias. E antes disso nem mesmo a visitação de parentes
era permitida. Mas, como eu disse, milagorasamente gostaram do meu
comportamento e permitiram que eu falasse com minha mãe. Para quem
pedi em lágrimas e soluços que me tirasse imediatamente de lá. Com
muito esforço e algumas ameaças, minha mãe conseguiu que minha
internação fosse revogada e naquele mesmo dia pude ir para casa,
onde chorei por alguns dias, feliz por estar longe daquele lugar.
O
tempo passou e eu seguia irresponsável quanto aos conselhos do
psiquiatra e às seções de terapia. Não sentia um mínimo de
motivação para fazer o certo e desperdiçava os dias dormindo.
Minha mãe me contou posteriormente que o médico fez ela assinar um
termo de responsabilidade sobre mim, por ser sim um paciente cuja
internação era recomendada. Eu me negava terminantemente a ser
internado novamente, mesmo com o argumento de uma clínica melhor.
Por fim, acabei abandonando todo o tratamento de vez. Parei com as
seções e com os remédios por conta própria. A situação
permaneceu ruim e repetitiva por mais ou menos dois anos.
Eu
tinha então em torno de 25 anos quando por influência de um amigo
passei a me ocupar com planos de um futuro melhor. Embora o álcool
continuasse bastante presente na minha vida, iniciei um período de
desenvolvimento bem importante que acabou norteando os principais
acontecimentos daquela fase em diante. Um certo dia recebi um
panfleto de propaganda de um curso de idioma em uma associação sem
fins lucrativos e resolvi me inscrever. Foi o começo de uma fase de
esforço e descobertas. Fiz o curso até o final e participei como
voluntário da organização da associação por um tempo. Foi um
tempo importante onde minha vida parecia começar a fazer sentido.
Nesse espírito comecei uma graduação em uma faculdade que cuja
mensalidade era barata, perto de casa, e em função do curso acabei
sendo impelido a trabalhar na área, em um estágio.
Livre
das principais condutas destrutivas, mas longe de estar bem, passei a
me dedicar ao trabalho e aos temas de estudo da faculdade. Tudo
parecia melhor, não fossem os acessos de tristeza e a constante
sensação de mal iminente que me acompanhava todos os dias. Os anos
passaram e sempre que pude tentei anestesiar a angústia com a
bebida, o que nunca foi uma boa ideia.
O
tempo passou e entre idas e vindas me formei e fui promovido no
trabalho algumas vezes, conquistando espaço em um mercado bastante
concorrido. O trabalho havia se tornado minha principal preocupação,
diversas vezes sendo a prioridade das minhas escolhas. Mesmo diante
de questões pessoais e familiares importantes os compromissos do
trabalho sempre prevaleciam. Com isso minha vida foi se tornando mais
e mais o que vivia no trabalho, abrindo mão de quase tudo fora dele.
Ocorre
que o trabalho em si era digno, porém inacreditavelmente
estressante. O convívio com pessoas de péssima índole, as tarefas
sem sentido, a sensação de estar me dedicando tanto a algo que não
estava edificando nada no meu futuro me corroíam por dentro. A cada
dia que passava, eu me tornava mais e mais cheio de frustração,
ódio e rancor. Passei a ter problemas cada vez mais graves com
insônia e crises de ansiedade. O trabalho que no começo me deu
sentido à vida, passou a me fazer mal e ser a causa de problemas
psicológicos ainda piores que os anteriores. Por ser bastante
irresponsável com as contas pessoais, vivia com graves problemas
financeiros, endividado, estressado e frustrado. Sem a possibilidade
de um futuro melhor, apesar de trabalhar muito. Seguia em frente
achando formas de lidar com os problemas que surgiam e arcando com as
consequências das escolhas que fazia. A vontade de me entorpecer e
sair da realidade era constante, não suportava a vida que vinha
levando. Já não era um inútil completo, mas o que tinha me tornado
era muito frustrante. Buscava fontes de prazer e alívio nos mais
variados meios. Então comecei a buscar substâncias que me
aliviassem o sofrimento.
No
começo foram diversos comprimidos, conseguidos através de contatos
que os viabilizavam sem qualquer tipo de receita. Experimentei
calmantes e controladores de humor que pesquisava na internet, mas
nada parecia ser suficiente. Me automedicava sem nenhum critério.
Foi quando decidi apelar para a maconha. Passei a fazer uso
gradualmente, uma ou duas vezes por semana no começo e diariamente
depois de três anos. A erva passou a ser minha válvula de escape,
tudo parecia tolerável se eu pudesse fumar e me chapar nas horas de
folga. Segui trabalhando e enfrentando os problemas da vida cada vez
mais imerso no mundo canábico. Descobri uma vasta e profunda cultura
do uso da planta e sentia que havia encontrado a resposta para a
angústia permanente da minha vida.
Sem
perceber, a droga foi ocupando bem mais espaço do que eu havia
planejado e eu já não queria mais ver o mundo sóbrio. Passava sob
efeito dos canabinóides praticamente todos os dias, muitas vezes
começando o dia fumando antes do café. Ainda tinha crises de
insônia e sentia que as coisas não iam bem. Mas já não me
importava tanto.
Levei
as coisas dessa maneira até o dia em que aconteceu o que hoje chamo
de o pior dia da minha vida. Tinha 34 anos quando surtei.
Esse
é um momento bastante importante desta breve narrativa resumida dos
fatos e por isso darei uma atenção especial. A seguir, descreverei
como foi o surto que tive e quais foram as consequências. Assim como
o processo de recuperação e as reflexões que pude fazer sobre tudo
o que aconteceu.
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